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Crítica: 'Retratos Fantasmas' traz o melhor do cinema de Kleber Mendonça Filho

Foto do escritor: Matheus MansMatheus Mans

A primeira meia hora de Retratos Fantasmas é absolutamente genial -- não consigo pensar em nenhum outro filme de 2023 que tenha um primeiro ato tão intenso, pessoal, inteligente, provocador. O novo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho (Aquarius, Bacurau) começa com o cineasta falando sobre sua casa de infância. Mostra imagens, gravadas em uma fita VHS, de uma casa que ficou no passado. Observa cada pedaço do espaço, reflete, pensa, se emociona.


Afinal, aquela casa ainda existe no tempo presente, mas não é mais a mesma. O cachorro do vizinho não late mais, o muro agora tem uma cerca de arame farpado, a rua agora é cheia de muros. Um portão, que não existia, agora impede o acesso livre. As coisas se transformaram, sumiram, morreram. Mas, por conta da vontade de KMF em registrar tudo ao seu redor, sobreviveram ali, naquelas fitas que passaram pela prova do tempo, e que agora revivem tudo.


Revivem? A primeira meia hora do filme de Kleber é, basicamente, uma declaração, um statement do cineasta. De um lado, mostra no hoje como as coisas são. Do outro, mostra como eram. No vazio das mudanças, a fita faz com que tudo renasça -- a mãe, a calçada, o muro, o cachorro latindo. São fantasmas de um passado que não volta mais, que não tem como encontrar espaço para ressurgir. Vemos apenas espectros de um tempo que se foi.

E é, a partir dessa meia hora sem qualquer correção a ser feita, que Kleber Mendonça Filho amplia a discussão para mostrar como cinemas são templos. Na tela, vemos espíritos, fantasmas. É um espaço de celebração de tempos passados. E Kleber, fascinado pelo cinema como é, trata logo de criar mais fantasmas. Relembra como eram os cinemas de Recife, sua cidade, e como os espaços são hoje. Nos mostra em VHS as memórias que existem na sua vida.


Nós, como espectadores, participamos desse bacanal espectral, em que fantasmas falam de fantasmas em um caldeirão em que o resultado é uma reflexão apurada, em Retratos Fantasmas, sobre o que foi, o que é e o que será. Há muito bom humor nisso -- em entrevista que fiz para o Estadão com o diretor, até questionei se não seria otimismo por parte dele, mas o diretor diz que isso fala mais de mim do que dele. Kleber vê o mundo com outros olhos.


É uma pena que, no segundo ato, o filme dá uma barrigada: fica andando em círculos e parece que não sabe sair de um espaço de celebração e admiração próprio, repetindo a mesma tese o tempo todo. Já entendemos o que o cineasta tinha a dizer e, quando fica se repetindo assim, é difícil não sentir um certo cansaço. Parece até outro filme em comparação com seu início.


Mas, mesmo assim, Retratos Fantasmas é um dos melhores filmes de Kleber Mendonça Filho. É íntimo e pessoal, mas acaba transbordando para uma reflexão sobre os caminhos urbanos que o Brasil, como um todo, está tomando e, acima disso, como o cinema ainda é um espaço importante para nos reconectarmos com nosso passado e com os que ficaram para trás. Cinema é, afinal, um dos retratos mais acurados do que é uma sociedade naquele tempo -- e Kleber, como um observador genial, mostrou como até a ficção pode ser um grande documentário.

 

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