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  • Domenico Minervino

Há 50 anos, 'Terra em Transe' chegava aos cinemas brasileiros


Terra em transe, filme do diretor brasileiro Glauber Rocha, completou 50 anos do seu lançamento e continua, por mais lamentável, imensamente atual. Infelizmente, o que era para ser uma crítica ao Brasil da década de 60 e a representatividade das diversas formas de se governar, retratando inclusive a América Latina, têm-se a certeza quase nada mudou.

A película em preto e branco e roteirizada pelo próprio Glauber traz um rol de atores esplêndidos. Paulo Autran interpreta Porfírio Diaz, um tecnocrata em ascensão. Jardel Filho faz Paulo Martins, jornalista e poeta que o ajuda, em um primeiro momento, a chegar ao poder. Sílvia (Danuza Leão), mulher de Diaz, mantêm um caso com Paulo, completando o triângulo amoroso.Desiludido após a vitória do seu candidato ele parte para Alecrim onde conhece Sara (Glauce Rocha).Os dois passam a apoiar o candidato a governador Felipe Viera (José Lewgoy), ligado ao povo e a igreja.

Descontente, Diaz cobra de Paulo o preço da traição. Ao final, com a parceria do empresário Júlio Fuentes (Paulo Gracindo) que muda de lado conforme seus interesses, Diaz consegue depor Vieira, sendo coroado como governante. Paulo ainda tenta fazer com que Viera pegue em armas e resista ao golpe. “Não se muda a história com lágrimas”, ele diz Vieira por sua vez: “O sangue das massas é sagrado” e Paulo retruca: “O sangue não tem importância”.

Glauber Rocha foi muito feliz em transformar a observação daquele contexto político em uma obra cinematográfica primorosa. Resistente ao tempo e críticas, se houveram, ela pode ser considerada alicerce do Cinema Novo, influenciando artistas importantes como Caetano Veloso e o movimento tropicalista.

A coragem e ousadia de Glauber lhe trouxeram diversos prêmios. Em Cannes, recebeu Luis Buñel e o Fipresci. Em Havana, o da crítica e melhor filme. Em Locarno, na Suíça, o Grand Prix. Em Juiz de Fora, o de melhor filme, diretor, ator, atriz e menção honrosa a Luis Carlos Barreto, diretor de fotografia. E em São Paulo ganhou como melhor atriz, argumento, fotografia para Dib Lutfi (e que também fazia parte da equipe) e montagem para Eduardo Escorel. Mesmo assim, com todo esse sucesso, caiu nas mãos da censura brasileira que só o liberou depois que o padre (Jofre Soares) recebesse um nome.

Terra em transe precisa ser estudado com mais afinco pelos brasileiros de modo geral. Não há como vê-lo e não ser afetado pela estética glauberiana, nem tão pouco ficar impassível a tantas frases de efeito. A história em si, aliás, chega a ser menor do que tais frases, que podem explicar a película, o contexto político, um País chamado Brasil em várias décadas.

Querem exemplos? Vamos a eles. Leonardo Vieira diz: “A contradição das forças que regem a nossa vida nos lançou nesse impasse político tão comum àqueles que participam ativamente das

grandes decisões”. Poderíamos escutar essas palavras na boca do presidente Temer? Paulo Martins diz: “Precisamos resistir, resistir!”. Cairia bem no discurso de Lula?

Outras frases são educacionais, tentam ensinar como fez um dia Maquiavel em O príncipe. Diz Porfírio Diaz: “a política é uma arma para os eleitos, para os deuses. Os extremistas criaram a mística do povo. Ah! O povo não vale nada. O povo é cego e vingativo. Se derem olhos ao povo, o que fará o povo?”.

No fim das contas, o transe sofrido por Paulo, a luta, está ligada a esse povo. Para Paulo, a culpa é deles “que saem correndo atrás do primeiro que lhe acena com uma espada ou uma cruz”. Esse povo que Sara diz ser Gerônimo (líder indígena que comandou os apaches na resistência contra os brancos) é o mesmo dos tempos idos. Incitado, é calado por Paulo que fala: “Estão vendo o que é o povo? Um imbecil. Um analfabeto. Um despolitizado. Já pensaram um Gerônimo no poder?”

Desiludido com o estado das coisas ele constata em certo momento: “as nossas riquezas, as nossas carnes, a vida, tudo, vocês venderam tudo, as nossas esperanças, o nosso coração, o nosso amor, tudo, vocês venderam tudo”.

Para finalizar, Sara pergunta: “O que prova a sua morte?”. No que Paulo responde poeticamente: “O triunfo da beleza e da justiça”.

Terra em transe é atual como foi dito e precisa ser visto e revisto milhares e milhares de vezes. Quem sabe um dia aprenderemos alguma coisa com ele.

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