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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: Épico realista, 'Legítimo Rei' é acerto surpreendente da Netflix


Difícil acreditar que Legítimo Rei, nova produção original do serviço de streaming Netflix, é um filme que não vai passar nos cinemas, ficando restrito às limitações técnicas e visuais da televisão. Grandioso, real e impactante, o novo longa-metragem de David Mackenzie (A Qualquer Custo) é um prato cheio pra fãs de épicos medievais regados a muito sangue, vísceras, traições, batalhas e intrigas da realeza, como há tempos não se vê no cinema. Acerto estrondoso da Netflix, ainda que com problemas.

O longa-metragem acompanha a jornada de Roberto de Bruce (Chris Pine) -- ou, no nome original, Robert "The Bruce" --, rei da Escócia no século XIV, quando a Inglaterra toma o País para si e começa a praticar uma série de mandos e desmandos sob as ordens do Rei Eduardo I (Stephen Dillane). Indignado, Robert começa a comandar um exército de alguns poucos homens para continuar a revolução iniciada por William Wallace e, talvez, libertar a Escócia dos desmandos da cruel realiza inglesa da época.

O filme se passa logo após os eventos já narrados no clássico épico Coração Valente, dirigido e estrelado pelo astro Mel Gibson. Assim, é quase inevitável tecer comparações entre as duas produções. Injusto, porém. O filme de 1995 é um épico unânime entre crítica e público e que conta com certas liberdades criativas em sua construção narrativa. São obras sobre assuntos próximos, sim, mas com finalidades e objetivos totalmente diferentes. Gibson falou sobre coragem, braveza, valentia. Mackenzie, enquanto isso, busca falar sobre a realidade da época, a violência, a busca por poder.

E nesse quesito, o diretor de A Qualquer Custo e Sentidos do Amor se sai muito bem. Sem poupar esforços para criar uma trama realista, Mackenzie produz cenas de batalhas grandiosas, como não se vê nos cinemas desde o último Hobbit. São exércitos colocando suas vidas em riscos e deixando o sangue explodir na tela. Aliás, aqui já vai um aviso: estômagos fracos não têm vez. Mackenzie, como ainda não tinha feito em sua carreira, liberta as barreiras do aceitável e vai além. Traz o período medieval para a tela da Netflix e, dessa maneira, conquista o público ansioso por voltar à essa brutal época.

Muitos estão argumentando que falta alma e coração em Legítimo Rei. Quem diz isso, novamente, deve estar comparando propostas distintas e pensando em Coração Valente. Não era o propósito de Mackenzie construir um filme com essa essência. Como disse ao jornal O Globo, queria fazer um épico realista. Acha mesmo que há alma nesse período?

Com ares de Game of Thrones, a ambientação é outro acerto que deslumbra. Filmado nos bucólicos campos da Escócia, o longa-metragem cria uma aura ao seu redor que faz com que seja difícil o espectador não embarcar na história que está sendo contada -- mesmo nas limitações da TV. Méritos do diretor de fotografia Barry Ackroyd, que já tinha mostrado seu potencial em filmes como Guerra ao Terror e Capitão Philips. Difícil não sentir a poeira batendo no rosto e o sangue espirrando nas cenas de batalha.

O elenco, ainda que irregular, pode ser considerado um outro bom ponto positivo de Legítimo Rei. Chris Pine (Mulher-Maravilha) não está no melhor dos seus dias e entrega um rei apático, ainda que corajoso. Se for voltar à comparação com o Wallace. de Gibson, perde de dez a zero. O que sustenta é o elenco de apoio. Florence Pugh (Lady Macbeth) volta a mostrar a grande atriz que é ao criar bons momentos em cena -- principalmente uma perto da conclusão, quando é incitada a tomar um atitude drástica.

Quem surpreende, porém, é o sempre mediano Aaron Taylor-Johnson (o Mercúrio de Vingadores: Era de Ultron). Ele se entrega de corpo e alma ao papel do enlouquecido e vingativo James Douglas. É impressionante vê-lo em ação em algumas cenas, principalmente nas de batalha. Billy Howle (Dunkirk), James Cosmo (Game of Thrones) e Stephen Dillane (O Destino de uma Nação) estão funcionais e servindo aos papéis.

O grande calcanhar de Aquiles de Legítimo Rei é o roteiro, escrito a dez mãos por Mackenzie, Bathsheba Doran (Masters of Sex), James MacInnes (Bad Boys), David Harrower (Una) e Mark Bomback (Planeta dos Macacos: A Guerra). Nunca dá certo ter tanta gente envolvida numa história. O sintoma disso são trechos sem muita coesão narrativa e que parecem soltos na trama, algumas sequências mal explicadas e muita cena solta -- teve ainda mais no Festival de Toronto, quando o filme foi apresentado com 20 minutos a mais. Teria sido melhor confiar a tarefa nas mãos de um ou dois.

Mackenzie ainda tenta compensar numa direção talentosa, cheia de planos-sequência e câmeras fixas mostrando lutas físicas, mas não surte o efeito desejado. Salva em partes, apenas.

Mas, ainda assim, pode-se dizer que Legítimo Rei é o grande acerto da Netflix em longas de ficção do ano -- por enquanto, já que ainda tem Roma pela frente. É um filme forte, desalmado de propósito e que mostra toda a brutalidade do período medieval numa trama que não economiza em violência e intrigas políticas que ajudam a movimentar e a dar coesão num trecho confuso da história mundial. Deve agradar fãs do subgênero e pessoas sedentas por uma história a la Game of Thrones. Não é impecável, mas é um boa surpresa.

 

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