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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Nós' é filmaço repleto de simbolismos, camadas e horror


Quem vê o trailer de Nós sem saber quem é o diretor Jordan Peele (Corra!) ou sem ter conhecimento sobre seu trabalho, pode achar que o filme é apenas mais uma fábula de horror qualquer. Mas não é nada disso. Ainda que o longa-metragem funcione como longa de terror, há muito mais por trás. Assim como Corra! não é apenas um suspense psicológico, Nós também não está ali apenas para assustar. Há muita psicologia envolvida na história, muitos simbolismos e, principalmente, há uma crítica social forte e contundente que não deixa o ritmo do filme cair. É, sem dúvidas, um ótimo filmaço.

A trama acompanha a vida de um casal (Lupita Nyong'O e Winston Duke) que leva seus filhos para a casa na praia esperando relaxar e se divertir com seus amigos. No entanto, quando anoitece, algo bizarro acontece. Uma família fica parada no escuro, escondida pelas sombras, espreitando a casa de veraneio. Quando tentam contato, nada acontece. As coisas saem do controle, porém, quando essa outra família -- formada também por um casal e dois filhos -- invade a residência e mostra ter a mesma aparência física dos protagonistas. São doppelgängers malignos e assustadores. E aí começa a caçada.

Nós se assume como filme de terror. Os elementos místicos e simbólicos, aqui, podem ser lidos em uma primeira camada como sendo parte de uma mitologia própria criada pelo cineasta e roteirista Jordan Peele. Quem não quiser pensar muito, ainda assim, vai embarcar na produção e se assustar -- principalmente com os personagens duplos de Nyong'O (12 Anos de Escravidão) e da estreante Shahadi Wright Joseph, intérprete da filha mais velha do casal. A câmera de Peele, esperta, também sabe como controlar o medo da audiência com bons jogos de luz, posicionamento e ângulo. Impressiona.

No entanto, indo além da camada do medo, há fortes simbolismos psicológicos e com críticas sociais perenes -- significados estes que iremos falar em outro post, a ser publicado em breve aqui no Esquina. E é neste ponto que o longa-metragem ganha um brilho próprio e que já tinha sido visto em Corra!. É tudo muito significativo, muito forte. Uma verdadeira pancada no estômago. Difícil não se impressionar com o roteiro do filme, também escrito por Peele, que vai construindo camadas em cima de camadas. É impressionante o que ele consegue fazer a partir de um medo, uma provocação.

O elenco, claro, eleva isso. Winston Duke (Pantera Negra) está engraçado e serve, por vezes, como um alívio cômico. Shahadi Wright Joseph (a estrelar O Rei Leão) funciona bem quando está na tela como sua dupla, assim como o pequeno Evan Alex (da série Kidding). Mas o show mesmo é de Lupita. Ela consegue transitar entre dois tipos de personagens complexas, repletas de particularidades criadas em conjunto pela atriz e pelo diretor. Difícil não se arrepiar com a voz abafada, quase machucada, de sua cópia -- e que, de maneira surpreendente, tem outro significado muito forte ao final do filme.

Infelizmente, Elisabeth Moss (The Handmaid's Tale) e o comediante Tim Heidecker aparecem bem pouco e não são tão marcantes. Poderiam ser facilmente eliminados.

Além da boa história, da boa direção e dos bons atores, a parte técnica do filme é impecável; uma orquestra ricamente afinada por Peele. A música de Michael Abels por vezes tem um aspecto tribal sombrio, em outras um tom eletrizante que ajuda a elevar a qualidade do longa. Lembra o trabalho do compositor em Corra!. A fotografia do excelente Mike Gioulakis (Corrente do Mal) chama a atenção desde o primeiro frame. Além de ajudar a contar a história, parece pronta para fazer cenas históricas. Por fim, o figurino da premiada Kym Barrett (Aquaman, Matrix). Repare em como muda ao decorrer do filme, ajudando a dar o tom -- literalmente -- da história sendo contada.

Nós é um filme emblemático, corajoso, atual, criativo e original. Difícil não sair cruzando as pernas da sala de cinema. Afinal, a sensação é de uma surra bem dada, já que Peele não perdoa ninguém em sua mordaz crítica social. É cinema de verdade, que precisa ser mais frequente, mais valorizado e que, felizmente, deve agradar vários públicos -- não é à toa, claro, que o longa saiu na frente das bilheterias. É um filmaço. E pode anotar, leitor: sem dúvidas, estará dentre os destaques de 2019 na lista de melhores do ano.

 

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