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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'O Doutrinador' é filme político, apartidário e inusitado


O grande receio ao redor de O Doutrinador estava na orientação política que o diretor Gustavo Bonafé (Chocante e Legalize Já) e os roteiristas Mirna Nogueira (Meus 15 Anos), L.G. Bayão (Motorrad) e Rodrigo Lages (Em Nome da Lei) iriam empregar para contar a história do homem que mata políticos por justiça. Afinal, seria fácil deslizar para um lado ou outro na polarização que o Brasil vive. No entanto, os responsáveis pelo filme conseguiram manter o apartidarismo e criar uma forte e inusitada trama política.

A história acompanha a vida de Miguel (Kiko Pissolato), um agente especial da Polícia Federal que vê uma reviravolta em sua vida e passa a enxergar tudo com muita amargura, tristeza e tons sombrios. É neste momento que ele decide buscar vingança. Como? Matando todos os políticos que, de maneira direta ou indireta, contribuíram para essa reviravolta acontecer. Começa pelo governador Sandro (Eduardo Moscovis) e só se dispõe a parar ao chegar no alto escalão -- principalmente em Antero (Carlos Betão).

A partir disso, Bonafé cria uma trama intensa, violenta, política, apartidária e muito honesta. Dando continuidade ao ótimo trabalho que tem apresentado na carreira, o cineasta não se deixa cair em caricaturas da realidade ou em piadas prontas -- como os péssimos O Mecanismo e Polícia Federal: A Lei é Para Todos fizeram. Ainda que Antero, por vezes, parece um escarro de Jair Bolsonaro e Marília Gabriela parece a ministra Carmen Lúcia, não há julgamentos morais. O partidarismo está nos olhos de quem vê.

Não há um grande roteiro a ser explorado. A história, baseada numa boa HQ de Luciano Cunha, Marcelo Yuka e Gabriel Waner, é sobre a sede de vingança e justiça que move o protagonista Miguel. Há pouquíssimo desenvolvimento além disso e poucos coadjuvantes que fujam de esterótipos já batidos. É interessante notar, porém, como os estereótipos funcionam em alguns casos. É extremamente fiel, por exemplo, a criação dos deputados e políticos da bancada da bala, boi e bíblia. Não tinha como ser melhor.

A ação também é bem coreografada e gráfica. Surpreendentemente, não há medo em mostrar sangue, pessoas mortas e violência. Tudo é filmado e escancarado na tela. Uma cena com Eduardo Moscovis, aliás, é surpreendente e impactante. Ponto para o filme.

Curiosamente, apesar de ser simples e direto ao ponto, o roteiro comete alguns equívocos que incomodam. Há muitas facilitações narrativas -- como a hacker que apaga câmeras de segurança em um estalar de dedos, invasões que acontecem sem nenhum vínculo com a realidade e coisas do tipo. Alguns personagens também perdem a chance de aprofundamento, como a ministra Marta Regina (Marília Gabriela) e a hacker Nina (Tainá Medina). Deve ser material preparado para a série, mas não dá pra relevar.

Além disso, Kiko Pissolato (Dez Mandamentos) é um ator apenas mediano. Não consegue trazer modulações de voz, estando sempre no mesmo tom. Parece que não há emoções passando por ele. Quem compensa isso é a pequena e amável Helena Luz (Carinha de Anjo) com a personagem Alice e as participações especiais de Moscovis (Berenice Procura), Gabriela (Primavera), Helena Ranaldi (O Mecanismo) e Tuca Andrada (A Pelada).

O Doutrinador é um cinema de gênero, pouco usual no Brasil, e que mostra como pode existir criações além da comédia e do drama independente no cenário nacional. Mistura de Tropa de Elite com O Justiceiro, o longa acerta na violência, no apartidarismo e na honestidade em tratar o tema. Difícil alguém não se sentir representado pelo Doutrinador e, principalmente, por sua atitude na sequência final. É um filme que causa desespero com a situação política nacional, mas esperança com o que é produzido no cinema brasileiro. É a mostra que, talvez, seja esse o caminho: apostar na arte para, assim, esquecer dos problemas reais do País e descarregar a raiva onipresente.

 
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