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  • Amilton Pinheiro *

Festival de Brasília 2017: filmes sintetizam 'espírito' do festival


A edição deste Festival de Brasília entrará para a história por conta de dois aspectos. Um positivo, que é mostrar filmes que discutam a questão racial pelo olhar do negro. Outro negativo, que é o não questionamento sobre os aspectos formais desses filmes nos debates que ocorrem no dia seguinte da exibição.

Na quarta, 20, O Nó do Diabo, longa episódico, com cinco histórias que tratam sobre a violência contra o negro na sociedade brasileira, desde a escravidão até hoje. Apesar de trazer um olhar muito interessante desenvolvido dentro do gênero do horror, existe um desequilíbrio entre as partes, o que é quase inevitável em filmes com essa característica.

No longa, esse desequilíbrio acontece em duas das cinco histórias que o compõe, diluindo o filme com um todo. O Nó do Diabo parte do presente até chegar na época da escravidão, com a fuga de escravos para um quilombo. As três primeiras histórias mantêm um certo equilíbrio de linguagem e de concepção artista, mesmo que ainda careçam de depuração – no uso excessivamente repetitivo do som, como elemento para deflagrar o medo e o suspense, e na direção dos atores, geralmente engessada e sem sutileza, com exceção do grande ator paraibano, o veterano Fernando Teixeira, que faz um terrível  fazendeiro nas cinco histórias.

Os últimos dois episódios vão perdendo a densidade narrativa do elemento principal que o constitui, o gênero do horror. Aí o espectador já não embarca no uso do som para intensificar a sensação de medo e suspense que a história necessita trazer. A falta de cuidado técnico e de interpretação dos seus atores comprometem o resultado do episódio final que deveria ser o elemento constitutivo do desfecho de uma história pautada no horror da violência perpetrada ao povo negro.

Coube ao curta Tentei, de Laís Melo, exibido na quarta, antes de O Nó do Diabo, o apuro com a linguagem e os aspectos artísticos. O curta fala da violência doméstica que as mulheres brasileiras sofrem, desamparadas por um estado que não consegue protegê-las desses abusos sofridos.

Além de uma direção precisa e segura, com uma contenção de planos e cortes, o filme ganha camadas e sutilezas por causa da atriz que faz a personagem Glória, Patrícia Saravy, que trabalha no campo do minimalismo, com pequenos gestos e silêncios perturbadores.

A sequência da delegacia, quando Glória vai denunciar seu marido, é feita de forma magistral, com a câmera atrás da personagem diante do escrivão que não consegue iniciar o seu depoimento com firmeza. Sem corte, a câmera vai contornando Glória para se posicionar em frente dela, aumentando o sufocamento e a dor que a personagem está sentindo naquele momento. Um filme que trata da violência e da exclusão da mulher numa sociedade machista, sem em nenhum momento esquecer-se do seu formalismo e da sutileza interpretativa de sua personagem principal, defendida com precisão e segurança pela atriz paranaense Patrícia Saravy, forte candidata ao prêmio de melhor atriz de curta-metragem.

Já na quinta, 21, foram exibidos dois curtas. A bela animação Torre, de Nádia Mangolini, o competente Baunilha, de Leo Tabosa,  e o longa da noite, o corajoso e polêmico documentário Por Trás da Linha de Escudos, de Marcelo Pedroso, sobre o Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco.

Por Trás da Linha de Escudos é um exercício corajoso e quase nunca explorado da representação de uma instituição de repressão, que é uma unidade policial treinada para evitar distúrbios civis. Marcelo Pedroso, diretor do instigante Brasil S/A, se aventura num terreno arenoso que é tratar de uma instituição policial dando voz aos profissionais que trabalham nela.

Sem usar um discurso pronto e intransigente, o diretor se coloca com um porta-voz da sociedade civil nas entrevistas e no convívio com os policiais do Batalhão de Choque de Pernambuco, numa tentativa de um possível diálogo de pertencimento entre as duas partes, mesmo sabendo que é quase uma utopia. Mesmo assim, o documentário de Marcelo Pedroso vai nessa busca ingrata e inglória de percorrer internamente os mecanismos de uma instituição de repressão da sociedade brasileira.

O filme foi friamente recebido pelo público, alguns chegaram a vaiá-lo no final da exibição. Hoje pela manhã no debate, o filme foi duramente criticado por uma parcela do público, que cobrou do diretor o por quê daquele filme que retrata, na opinião deles, uma instituição tão infame. Algumas pessoas questionaram do diretor, o seu olhar quase subserviente aquela instituição e as pessoas que as representa. Chegaram, como fizeram com o filme da Daniela Thomas, Vazante, a querer censurá-lo, pelo desrespeito e da falta de responsabilidade com que ele trata a parcela de negros e pardos da sociedade brasileira.

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