A dupla de diretores Marcio Reolon e Filipe Matzembacher chamou a atenção logo no primeiro filme que nasceu dessa união, o instável Beira-Mar, de 2015. A crítica especializada teceu louros ao longa, enquanto o público não encontrou muito significado no longa-metragem, que parece vazio e sem um objetivo narrativo claro. Um problema bem parecido deve acontecer com Tinta Bruta, o segundo filme de Reolon e Matzembacher que venceu o Festival do Rio e levou dois prêmios no Festival de Berlin. Grande público, porém, deve se cansar com uma trama lenta, repetitiva e circular.
A história de Tinta Bruta acompanha as perdas de Pedro (Shico Menegat), um adolescente de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que vive um momento complicado em sua vida. Ele responde um processo criminal após agredir um ex-colega de classe, a irmã está se mudando para Salvador e a sua única fonte de renda são exibições sexuais em um site especializado no assunto. E assim, o rapaz começa a se questionar sobre como viver sozinho, como levar a vida adiante sem grandes perspectivas e, principalmente, como encontrar pessoas pra se relacionar sem sair de dentro de casa.
Tinta Bruta, como ressaltado, tem uma narrativa que se concentra nas perdas de Pedro frente sua antiga vida. Dividido em três capítulos, cada um deles foca num desses problemas e em uma das coisas que ele perde em sua vida, seja a irmã, o relacionamento com o bailarino Léo (Bruno Fernandes) ou, até mesmo, sua identidade virtual. Ou seja: é um filme cíclico e que se repete. O espectador, a cada capítulo que se inicia, sabe como ele vai terminar, o que vai acontecer na vida de Pedro. É, afinal, a intenção geral dos cineastas, que criam, mais uma vez, um filme de personagem.
E não há problema nisso, claro. Há muito filme de personagem -- e sobre a solidão que contagia as pessoas -- que se destaca, como o excepcional Arábia. Só que é preciso trama, complicadores, embates. Em Tinta Bruta, há pouco disso. O julgamento de Pedro é pouco explorado, se resumindo a duas cenas. Não há uma real tensão sobre como aquilo vai se desenrolar. O relacionamento com a irmã tinha muito a ser dito, mas uma única cena emociona e fica marcada. É forte, é impactante, mas logo vai se amarelando e ficando esquecida. Falta força cênica e narrativa pra levar aquela força adiante.
Um ponto crucial nisso são as atuações. Shico Menegat faz sua estreia em longas e até se mostra pronto para cenas ousadas -- há muitas sequências de nudez e sexo. No entanto, parece que falta quando é preciso se exigir um pouco mais de força interpretativa. Há uma cena em específica, com a avó (Sandra Dani) que é linda e bem atuada. De resto, pouco se salva. O mesmo vale pro fraco Bruno Fernandes, que também faz sua estreia e consegue emplacar poucas cenas realmente naturais. Não parece estar à vontade em muitas cenas e falta um pouco de ensaio e preparo.
Ao final do longa-metragem, há algumas situações interessantes -- como o encontro furtivo de Pedro com um estranho e uma cena lindíssima numa boate -- mas também são pouco explorados. Há beleza na filmagem de Reolon e Matzembacher (bem mais do que em Beira-Mar, vale dizer), mas parece que há pouco aprofundamento. E se há, parece ser irrelevante ou repetitivo. É fácil entender o motivo de sofrimento de Pedro, mas há poucas camadas que se apresentam ao longo do filme. Novamente, um filme de interesse para a crítica e para os festivais. O grande público, de novo, vai se entendiar. E é completamente compreensível.
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