Quando ganhou seu primeiro episódio, surgindo na programação da HBO depois das polêmicas de Game of Thrones, Euphoria parecia apenas um tapa-buracos entre os maiores sucessos do canal pago americano. No entanto, assim como a minissérie Chernobyl, a nova produção mostrou ter muito mais força do que aparentava. Estrelada por Zendaya (a MJ de Homem-Aranha: Longe de Casa), a série se tornou uma das boas surpresas de 2019 ao traduzir sentimentos raros e difusos da atualidade.
A trama, pra quem não sabe, acompanha principalmente a jornada da personagem Rue (Zendaya), uma jovem no subúrbio dos Estados Unidos que vive uma rotina complicada. Ela, afinal, está sofrendo com um tratamento para livrá-la do vício em drogas, ao mesmo tempo em que tenta não fazer sua família sofrer. Sua vida vira de cabeça para baixo, porém, quando a solar Jules (Hunter Schafer) chega na cidade. Mulher transsexual, a nova vizinha irá despertar emoções bem adormecidas na protagonista.
Dirigida, criada e roteirizada por Sam Levinson (O Mago das Mentiras), a produção parece uma 13 Reasons Why para adultos. Afinal, cada episódio se aprofunda um pouco mais na história dos personagens principais e coadjuvantes -- e que formam um mosaico diverso e plural sobre a sociedade de hoje, de sexualidade fluída. E adulta, claro, por conta da nudez quase sem limites da produção, que não se furtou em mostrar membros masculinos em suas mais diversas formas. Uma série adolescente a la HBO.
No entanto, aos poucos, Euphoria vai se distanciando de sua prima da Netflix e adquirindo cores, e sombras, próprias. Por mais que haja exageros e episódios fracos aqui e ali (principalmente o 7, uma maré de chatice), a maioria das tramas dos oito episódios sabe como se aprofundar nas boas histórias que se propõe. Há discussões importantes que as novas gerações estão trazendo e que as produções televisivas estão esquecendo de abordar ou, então, abordam errado. Sexualidade, depressão, morte.
O elenco, dessa geração em questão, também soube entrar nos seus personagens para fazer com que o diálogo sincero fosse travado com a audiência em casa. Zendaya, que geralmente parece unítona em seus trabalhos, surpreende como alguém que está realmente sofrendo e não sabe sair de algumas situações. Hunter Schafer, em seu bom trabalho de estreia, também entendeu a personagem e soube dar o tom, cativando o público. Sydney Sweeney e Jacob Elordi também são bons destaques da produção.
O apuro técnico de Levinson também é de se chamar a atenção. A qualidade do episódio Shook One: Pt II é estonteante. Seja em termos de cores, interpretações ou qualidade de câmeras, ângulos e narrativa. Tudo funcionou. Episódio redondinho.
Vale ressaltar, por fim, o respeito que Levinson soube tratar de temas tabus na sociedade paternalista e hipócrita em que vivemos. A transsexualidade da personagem Jules se mostra apenas como um componente de formação da personagem, não como algo definitivo. Algumas relação sexuais entre ela e outros homens também são bem retratadas, sem desrespeito -- apesar de uma delas ser escanteada sem mais nem menos. Temas importantes e tratados com a necessária e devida referência.
Euphoria, assim, é uma das séries mais conectadas com gerações mais jovens, que chegam num momento de conexões extensas e comunicações rápidas e relacionamentos fluídos, por consequência. Assuntos tabu para mais velhos, mas que sã naturais para os mais jovens, também surgem aqui com as cores da série e com o cuidado que precisam. Há erros? Claro -- a cena com One Direction está aí para provar isso. Mas as qualidades acabam se sobrepondo. Pode não ser a melhor série em termos técnicos, narrativos e interpretativos do ano. Mas, sem dúvidas, é a mais necessária.
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