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  • Foto do escritorMatheus Mans

Qual o problema com 'Como se tornar o pior aluno da escola'?


No início do ano, os filmes Real e Jardim das Aflições sofreram críticas pelo viés de direita de suas produções e acabaram expurgados do Cine PE. Depois, Vazante, da competente Daniela Thomaz, foi achincalhado no Festival de Brasília. Em outra instância, e não menos importante, a apresentação de um artista nu no MAM e uma exposição em Porto Alegre “ofenderam” parte da sociedade, que alegou que ambas expressões de arte simpatizavam com pedofilia.

Estes quatro casos são uma pequena amostra de como arte, crítica profissional, política e opinião pública estão se confundindo cada vez mais. Ultimamente, parece que a arte não pode ultrapassar limites ou expor opiniões dos realizadores sem que parte da sociedade fique ofendida -- mesmo que nada tenha a ver com política, como foi o caso do MAM. E isso não deixa de ser uma censura velada. Uma sobreposição assustadora de opinião sobre a arte.

Agora, nos últimos dias, vi um movimento curioso. Pela primeira vez após esses quatro casos relatados acima, um artista tentou se aproveitar do sentimento de censura que se abate no mundo artístico. Danilo Gentili, ex-CQC e atual apresentador do programa The Noite, ficou inconformado com as críticas negativa contra seu filme, Como se Tornar o Pior Aluno da Escola. Xingou muito no Twitter e, depois, passou a usar os textos negativos a “seu favor”.

Como argumento, ele disse que “se a Folha falou mal, então o filme é ótimo” -- o mesmo foi visto com críticas do Cine Pop, do Omelete e de mais um punhado de sites especializados em cinema. Claramente, ele não soube aceitar ou não quis entender as críticas. Mobilizou fãs para atacar veículos e ofendeu ostensivamente o jornalista da Folha de S. Paulo, Diego Bargas, que acabou sendo desligado, de maneira estranha e bem silenciosa, do veículo de comunicação.

Vendo todo esse movimento, parei um pouco e comecei a analisar as críticas -- inclusive as minhas, que escrevi aqui pro Esquina e pro Virau, página no Facebook que colaboro já há algumas semanas. E, curiosamente, a grande maioria repete um mesmo argumento: o filme exagera na escatologia, nos palavrões, no humor chulo e sem finalidade. Mesmo que tenha uma espécie de mensagem, tudo é meio irresponsável e são várias as cenas vazias e sem ligação narrativa.

Ou seja: é impossível que toda a imprensa especializada em cinema esteja “contaminada pelo vírus vermelho”, como alguns dos seguidores falaram. Eu mesmo não estou nem aí pro Gentili. Assisti ao filme sem pretensões, apenas entusiasmado pela presença do Carlos Villagrán e do ótimo Moacyr Franco. Saí da cabine de imprensa após algumas risadas, mas incomodado com o tipo humor que foi feito durante o longa-metragem e com os gritantes problemas técnicos.

Ainda assim, porém, o séquito de seguidores de Gentili continua a atacar veículos que “ousam” em fazer qualquer tipo de crítica negativa. Parece que Como se tornar o pior aluno da escola foi blindado e instituiu-se que qualquer um que falar mal está errado -- e que irá sofrer punições por isso. Na crítica do Virau, que foi publicada no período da tarde no dia da estreia, há xingamentos e pessoas defendendo cegamente o longa, sem nem ter assistido ao filme.

E aí você se pergunta: o que tem a ver aqueles casos no começo do texto com isso que contei agora? Bem, tem tudo a ver. Quer esteja despertando sentimentos da esquerda ou da direita política do Brasil, há uma necessidade em impor opiniões sobre obras artísticas nos quatro primeiros casos. E em Como se tornar o pior aluno da escola, Gentili usou e abusou desse sentimento, impôs sua opinião perante a crítica e incentivou seus seguidores a fazer o mesmo.

A censura política -- vinda diretamente da opinião pública -- nasce de maneira controlada e provocada por meio de ironias às críticas negativas. É, simplesmente, o ato de ridicularizar textos contrários para que os fãs pensem que há uma perseguição, um conluio dos críticos e dos sites especializados para desmerecer Gentili. As pessoas, então, despertam todos os sentimentos que tiveram recentemente e passam a se apoiar contra a imprensa e por meio de um motivo fantasioso.

A partir daí, o mesmo público que criticou o MAM por conta da menina que encostou no cotovelo de um homem nu aplaude o filme que faz piada com um pedófilo. E o público que aplaudiu o MAM e disse que “arte é arte” vaia o filme de Gentili, sem nem pensar em uma possível -- ainda que inexistente -- qualidade técnica. Cria-se, então, uma verdadeira zorra onde ninguém sabe o que é verdade, o que é opinião política, o que é opinião pública, o que é arte.

O momento, então, deve ser de reflexão. Arte, crítica, política e público devem buscar seus lugares. A arte deve expressar o desejo de seus realizadores, seja qual for. A crítica deve julgar este produto e emitir opinião imparcial -- como Bargas fez na Folha. A opinião pública, enquanto isso, deve ver o filme por si só e formar sua própria opinião -- sem interferência de realizadores ou da crítica, que serve apenas como uma “bússola” para o público, que pode concordar ou discordar.

Por fim, a política deve ser apenas uma inspiração para os realizadores ou, ainda, servir como um termômetro pessoal e intransferível e que pode ditar a sua opinião particular, desde que não interfira na opinião alheia. Se opinião de realizadores, críticas, público e política se confundirem, como está acontecendo, só um caminho: a censura. E a censura não é boa pra ninguém. Nem pra arte, nem pra crítica, nem pra opinião pública e, muito menos, para a política. Depois da censura só há um vazio e que arte alguma poderá preencher.

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