A abertura de uma novela é mais do que ser o primeiro intervalo – nas boas, ela interrompe um “gancho” fortíssimo, que fará com que o espectador anseie pelo próximo bloco. Ela é uma espécie de resumo da trama toda, ou pelo menos da conceituação que o dramaturgo imaginou para a condução de sua história.
Verdade seja dita, as aberturas mais recentes chegam ao público um tanto preguiçosas – salvam-se algumas, normalmente no horário das 18h. Para os noveleiros como eu – a primeira que me lembro de acompanhar foi a reprise de Roque Santeiro no ano 2000, aos 5 anos de idade – as aberturas costumam ser momentos arrebatadores.
Decidi montar uma lista com as aberturas que, de várias formas, fizeram parte da criação do meu repertório cultural ou com as quais possuo relação afetiva. Sei que dez é um número pequeno, mas eu acabaria listando mais de 50 se não me controlasse. Coloca o fone de ouvido – ou liga no home theater, vai da preferência - e vem curtir.
10 – Explode Coração, de Glória Perez. Dir. Dennis Carvalho. Ano: 1995
Essa abertura é daquelas de valor afetivo. Minha mãe dizia que era só os primeiros acordes começarem pra que eu, ainda bebê, me apoiasse na estante da sala para me remexer junto com Ana Furtado vestida de cigana (!!!!!). Um noveleiro predestinado. Reparem que a partir dos 00:30 o ator mexe num protótipo de tablete quando nem se falava no aparelho – muito menos em touch screen. Só numa novela de Glorinha pra isso acontecer, afinal, “é preciso voar”, diria a autora.
9 – Rainha da Sucata, de Silvio de Abreu. Dir. Jorge Fernando. Ano: 1990
O ano era 2013 e eu tinha acabado de entrar na faculdade quando o Canal Viva decidiu reprisar esse clássico. Como nasci em 1995, não assisti a primeira exibição. Fã de Sidney Magal e chegado em dançar desde sempre, a abertura de Rainha da Sucata pra mim é uma das mais animadas – e que mais traduzem o espírito bem-humorado da trama, grife mais pura de Silvio de Abreu.
8 – Laços de Família, de Manoel Carlos. Dir. Ricardo Waddington. Ano 2000.
Uma das poucas novelas do Maneco que gosto – das que assisti. As imagens se formando como respingos de tinta, lembrando quadros impressionistas de Monet, embalada ao som de Corcovado em versão de Stan Getz e João Gilberto é uma das mais deliciosas produções globais.
7 – Saramandaia, de Ricardo Linhares. Dir. Denise Saraceni. Ano: 2013.
A única coisa que salvava esse remake da obra de Dias Gomes era abertura, misteriosa e divertida. A sequência de desenhos quase infantis resumia um pouco as principais “estranhezas” dos moradores de Bole Bole, como diziam uns, ou Saramandaia, como diziam os outros. As cores queimadas e os traços distorcidos que somem e aparecem como fumaça lembram a estética sombria dos filmes de Tim Burton. É de encher os olhos!
6 – Salve Jorge, de Gloria Perez. Dir. Marcos Schechtman. Ano: 2013.
Caso de polícia, literalmente. A trama, que misturava Brasil e Turquia, se passava na favela e falava de tráfico humano foi apedrejada quase que diariamente por conta dos erros de gravação e furos de roteiro. Glória disse à época que o espectador precisava voar e não se ater tanto à realidade. Como fã incondicional de Glorinha, eu simplesmente abstraia de seus devaneios dramatúrgicos e encarava de forma muito mais dramática os erros de direção (quem não se lembra da Nanda Costa com o cabelo escovado numa cena e depois do intervalo com pesados cachos?). Não à toa, a parceria entre a autora e seu diretor de sucessos como América e Caminho das Índias acabou junto com a novela. Mas a abertura é uma das mais bonitas e criativas que já vi. A composição e interpretação de Seu Jorge foram feitas especialmente para a novela e as animações passavam em representações do Rio de Janeiro e da Turquia – tendo sempre a presença de São Jorge.
5 – Gabriela, de Walther George Durst. Dir. Walter Avancini. Ano: 1975.
Evidente que da versão de 1975 só vi as cenas que o Vídeo Show mostrou e as que estão no Youtube. O que me encanta nessa abertura é sua simplicidade: os desenhos do artista baiano Caribé, que inclusive ilustrou os livros de Jorge Amado quando estavam na Editora Record, a voz de Gal Costa e a lentidão com as qual os créditos e desenrolavam. Quando fizeram o remake da novela em 2012, fiquei impressionado com a nova versão da abertura - rudimentar se comparada com o transbordante uso que se tem feito de computação gráfica e imagens de arquivo. Toda a aura de simplicidade e delicadeza foi atualizada 37 anos depois. Então, coloco as duas aberturas para comparação, já que gosto igualmente de ambas.
Versão 2012 (de Walcyr Carrasco. Dir. Roberto Talma)
4 – Dancin Days, de Gilberto Braga. Dir. Daniel Filho. Ano. 1978
Essa eu tenho em DVD por motivos de Sônia Braga, Gilberto Braga e era da Disco Music. Joana Fomm como a perversa Iolanda Pratini era uma das vilãs que ora eu amava, ora eu odiava. A abertura é uma das mais ousadas e inovadoras até hoje, mesmo quase 40 anos depois de sua produção. Os créditos com tipografia da época e cores em neon explodindo na tela, a representação das discotecas e a música de “As Frenéticas” é de eletrizar qualquer um. Arraste o sofá e dance junto! Vale lembrar que apesar da primeira novela a cores do Brasil ter sido em 1973, nem todos os espectadores tinham TV colorida em casa.
3 – Renascer, de Benedito Ruy Barbosa. Dir. Luiz Fernando Carvalho. Ano: 1993
Essa também assisti no Canal Viva quando reprisou em 2012. Não acompanhei totalmente, mas foi uma das novelas mais bonitas que já passou por esses olhos. O texto de Benedito tem uma delicadeza e sentimento que raramente se encontra em tramas atuais. A voz de Ivan Lins é o que conduz a alternância de cenas de cidade e campo, cujo ápice é quando a maquete da fazenda se abre e dá lugar a uma metrópole que se dobra e se compacta originando o logotipo da novela. E pra ser bem conspiracionista (risos), de onde o diretor Christopher Nolan tirou a ideia das cidades se dobrando em si no filme A Origem? Fica a dúvida.
2 – Pecado Mortal, de Carlos Lombardi. Dir. Alexandre Avancini. Ano: 2013
Primeira novela de Carlos Lombardi na Record – e uma das minhas favoritas. A trama tinha humor, drama, romance, ação, ironia e sarcasmo numa medida tão perfeita que adoraria ver uma reprise dessa trama. A abertura é um plano-sequência com cenas e atores imobilizados como se estivessem numa pausa de filme embalados pelo sucesso dos anos 70, Street Life, interpretada por Randy Crawford. É outra pra arrastar o sofá e soltar o carão na sala!
1 – O Salvador da Pátria, de Lauro César Muniz. Ano: 1989.
O primeiro lugar é de uma novela que nunca vi – somente trechos – e que dificilmente será reprisada. Junte a voz de Gilberto Gil em mais uma de suas lindas canções com imagens que se formam e deformam, criando novos sentidos e significados. Tudo a ver com a trama política da novela, que foi abandonada em função da audiência. As imagens são a analogia de nossos políticos: se mostram de uma forma perfeita, mas vistos de outro ângulo são completamente diferentes. Ao contrário do cenário atual, as imagens da abertura são sempre belíssimas. Não me canso de assistir. É o tipo de história que merecia seguir sua concepção inicial. Um remake às 23h seria muito bem vindo. Alô alô, Lauro César!
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