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  • Foto do escritorMatheus Mans

Afinal, o que faltou na quarta temporada de ‘Black Mirror’?


As opiniões ficaram um tanto quanto divididas sobre a quarta temporada de Black Mirror. Alguns exaltaram uma ou outra história da temporada, como USS Callister e Black Museum, enquanto outros declararam o fim definitivo da produção e a falta de criatividade de Charlie Brooker, o criador da coisa toda. No entanto, independente do seu lado nessa história, há um fato: faltou algo nessa nova leva de episódios de Black Mirror, lançada na Netflix no final de 2017.

Se analisarmos as outras três temporadas, há uma genialidade pensada por trás de cada episódio. Há uma estrutura. Veja um exemplo, com spoilers, de um ótimo e inesquecível episódio: Queda Livre, ou Nosedive. É ele que abre a terceira temporada e, caso você não lembre de nome, é a história sobre a mulher desesperada por aumentar a sua pontuação na vida para conquistar direitos na sociedade. É como se a nota do Uber fosse usada na vida real.

Muito bem. O episódio é indiscutivelmente bom e assustador, seguindo uma lógico dentro de si mesmo. Primeiro, ele nos apresenta a tecnologia da maneira mais natural possível. A protagonista, vivida pela americana Bryce Dallas Howard (Jurassic World), está inserida tranquilamente na sociedade. Ainda vemos alguns exemplares que fogem da regra, ganham uma pontuação abaixo do esperado e, por isso, acabam ficando à margem e tentam voltar à vida social.

Depois de estabilizar isso, Black Mirror começa a traçar o declínio do protagonista. Neste caso, Dallas Howard. Ela começa a cometer pequenos erros e sua nota, que era aceitável, vai por água abaixo. Aí começa o grande drama do episódio: a vida da moça é destruída por conta da nota. Ela não consegue nem alugar um carro para se locomover para o casamento da amiga. E quando chega lá, todos querem ela longe. É o ápice da modernidade líquida de Bauman.

Essa estrutura (apresentação natural da tecnologia, aplicação de problema ao protagonista e final catastrófico com reviravolta, consequência coletiva e reflexão social) é visto em quase toda série. Shut Up and Dance, Fifteen Million Merits, White Bear, Be Right Back. Só um ou outro escapa da estrutura, como San Junípero e, de alguma forma, o primeiro episódio de todos, The National Anthem. Pode ser um estrutura batida, mas que funciona na produção.

Na quarta temporada, porém, Brooker (na foto abaixo) resolveu mexer um pouco nessa estrutura. E isso, em tese, não é ruim. San Junipero mexeu nisso e veja só: tem nota 8,8 no IMDb, ganhou prêmio de melhor filme pra TV do Emmy 2017 e o público amou o resultado. Só que aqui a mudança não teve um efeito tão interessante. Em Arkangel, o espectador é apresentado à tecnologia de maneira única. Só a menina protagonista tem a tecnologia. Ela é exceção na sociedade, não a regra.

Depois a tecnologia some de cena e o espectador acompanha, de maneira arrastada, a vida da menina. Só no finalzinho a tecnologia volta com efeito e a consequência é extremamente individual, trilhando um caminho um tanto quanto questionável. Ao término do episódio, fica uma sensação de “é só isso? Mas cada o resto?”. Parece que faltou algo, justamente por suavizar todas as passagens e não seguir estrutura à risca. É potencial desperdiçado. Não é Black Mirror.

E isso é visto na maioria dos outros episódios. USS Callister é um episódio extremamente individual e que acaba fazendo uma paródia de si mesmo, tendo uma conclusão pessoal. É, de certa forma, impactante, mas não causa a mesma preocupação social e coletiva que a estrutura convencional viria a causar. O mesmo vale para Crocodile (que tem a estrutura mais estranha de todas e é o pior da temporada) e Hang the DJ, que é emocionante, mas nada demais.

O episódio que mais segue a estrutura à risca é o último, Black Museum. Assim como no White Christmas, ele apresenta várias tecnologias -- primeiro de forma natural e depois como ameaça. Ao final do episódio, o roteiro dá um jeito de amarrar tudo para chegar na terceira etapa: uma reviravolta grandiosa, causada diretamente por uma das tecnologias, e que tem um efeito coletivo, afetando mais de uma pessoa no seu processo. É atormentador.

Com isso, fica o questionamento: o que Black Mirror precisa fazer, daqui pra frente, pra se atualizar? É positivo, sim, mexer nas estruturas. Mas Charlie Brooker precisa mexer nisso de forma consciente, honesta, responsável. Vale arriscar, como fez em San Junipero e em USS Callister, mas é preciso arriscar de maneira consciente para não desconfigurar a série como um todo. A quarta temporada foi apenas morna e, pela primeira vez, dividiu muito as opiniões.

Isso também pode ser culpa da Netflix. Depois que a produção caiu nas mãos do serviço de streaming, aumentaram o número de episódios para seis -- o dobro do que era antes. Pode ser que Brooker não tenha conseguido acompanhar o ritmo e, para isso, resolveu mexer na estrutura vitoriosa para aproveitar ideias nem tão boas assim (Crocodile, Arkangel) ou para reaproveitar tecnologias e ideias já vistas em outros episódios, como USS Callister e Hang the DJ.

Agora, é esperar pra ver. Black Mirror, sem dúvidas, ainda tem muita história para mostrar e surpreender. Só falta a criatividade de antes. Talvez, com só três episódios ao invés de seis funcione melhor. Ou, ainda, deixar que outros roteiristas participem da criação junto com Brooker -- como Neil Gaiman, que já disse ter vontade de escrever um episódio para a série. Afinal, às vezes, é melhor dividir sua obra do que vê-la sumir aos poucos, sem mais sentido.

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