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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Cine São Paulo' emociona com resistência cultural no Brasil


O cinema já foi taxado como morto algumas vezes. No advento da televisão, do VHS, do DVD, do streaming. No entanto, mesmo com tantas transformações na forma de consumir conteúdo, a sala escura continua despertando sonhos, emoções e sentimentos. Inclusive os cinemas de rua, que resistem espalhados pelo Brasil por meio de iniciativas independentes que valorizam a cultura e mostram a resistência brasileira.

É o caso do centenário Cine São Paulo, cinema de rua da cidade de Dois Córregos, no interior do estado de São Paulo, que acaba de ganhar um documentário homônimo. Pelas mãos de Seu Chico, filho do fundador, o local passa por uma transformação para se adequar às normas de segurança e voltar a encantar os cerca de 25 mil habitantes. A ideia do protagonista, de 72 anos, é criar um centro cultural que resgate a memória.

Dirigido por Felipe Tomazelli e Ricardo Martensen, Cine São Paulo emociona e encanta. É difícil, ao longo de seus 78 minutos, não gerir dois sentimentos: encantamento pela paixão do Seu Chico com o espaço, que tem uma forte memória afetiva; e o ar de resistência que surge, pelas beiradas, do ato do protagonista de se sobrepor às mídias que parecem engolir a arte de ir ao cinema. Dois sentimentos fortes e complementares.

Não há muita originalidade ou senso estético que faça o espectador diferenciar ou notar a condução de Tomazelli e Martensen. A dupla de diretores, que faz sua estreias em longas, prefere ser um observador oculto -- por mais que, em alguns momentos, acabe se relacionando com o próprio Seu Chico. É o dono do cinema que toma conta da tela, faz emocionar. É quase um Cinema Paradiso brasileiro, da vida real, sem qualquer filtro.

Além disso, ainda que não tenha um roteiro extremamente delineado, é interessante como Cine São Paulo consegue criar um clímax, um ápice. A vistoria dos bombeiros, tão aguardada por Seu Chico, engolfa o espectador e faz com que a expectativa atravessa a tela. Difícil não torcer por ele, sentir certa frustração e querer que tudo dê certo. Tudo ali é muito real, muito natural. Seu Chico é um ser humano como todos, com sonhos.

Isso, aliás, é o grande ponto do documentário. Por sorte dos diretores, Seu Chico é uma pessoa um pouco sem jeito. Não sabe usar telefones, não sabe lidar bem com alguns afazeres, não sabe falar sobre a rejeição da esposa com a tal empreitada. Isso, que de alguma forma poderia apagar o longa-metragem, o levanta ainda mais. Seu Chico não é uma figura ensaiada, produzida. Ele é muito real, muito natural. Ele é muito verdadeiro.

Dessa mistura toda, de uma direção oculta com um personagem tão interessante, nasce um sentimento de resistência potencializado -- e quase sem querer. Seu Chico parece não ter muita ideia de como o ato de reformar o Cine São Paulo é político, forte, representativo. E a forma como as coisas transcorrem sem roteiro ou previsão óbvia faz o espectador se envolver mais e mais e mais. Resistência toma conta do documentário.

No final, a vontade é levantar da cadeira, pegar a estrada e ir conhecer o Cine São Paulo, ver um bom filme e bater um longo papo com o Seu Chico. É daquelas histórias que parecem pequenas num primeiro momento, mas dizem mais do que aparentam. Um personagem real, natural, numa história de resistência cultural, é tudo que o Brasil precisa num momento de intrigas, brigas e destruição da cultura. Viva o Seu Chico!

 

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