Foi em 2010 que a Disney contratou o Tim Burton para um empreitada perigosa: dirigir uma nova adaptação do clássico livro de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas. Mas ao contrário do clássico de 1951, o novo filme não seria em animação. A ideia era produzir um live-action, com atores de carne e osso, e um visual psicodélico típico de Burton. E assim acabou nascendo o filme com Johnny Depp, Mia Wasikowska e Helena Bonham Carter, que foi bem de bilheteria, mas não agradou tanto a crítica especializada.
Depois disso, a Disney tomou gosto pela ideia de adaptar clássicos e não parou mais. Teve o ótimo Malévola, que deu um novo olhar para A Bela Adormecida; o insosso mas deslumbrante Cinderela; Mogli: O Menino Lobo, que ainda é o melhor dessa leva; os infantis Meu Amigo, o Dragão e Christopher Robin; os medianos A Bela e a Fera e O Retorno de Mary Poppins; e, por fim, o péssimo O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos.
Agora, Dumbo chegou, de novo numa parceria entre a Disney e Tim Burton, para abalar os corações nostálgicos, fãs da animação de 1941. Para isso, Burton e o roteirista Ehren Kruger (A Vigilante do Amanhã) mexeram bastante na estrutura da história original. Ao invés de um drama solitário do elefantinho de orelhas grandes, companheiros humanos que tentam sabotar Dumbo ou que fazem de tudo para juntá-lo à mãe. Ao invés de animais falantes, seres mais realistas e contidos, como a Disney tem feito nessa fase.
Essa fórmula, que já está se tornando desgastada nesse espírito de resgate de antigas animações, funciona em partes. Há um deslumbramento quase natural com o que é visto em tela, principalmente quando a mão de Burton fica mais evidente -- uma cena de bolhas, dentro de um circo, é a marca registrada que tantos fãs anseiam em ver de novo nas telonas. O visual de Dumbo, que possui olhos expressivos parecidos com o do Gato de Botas, emociona e ajuda a embarcar na história. Difícil não ficar impressionado.
Além disso, Kruger -- apesar de ser limitado como roteirista, como falaremos daqui a pouco -- tem uma sacada genial, perigosa e surpreendente. No meio do filme, de maneira quase deliberada, é tecida uma interessante crítica ao mundo do entretenimento a qualquer custo, fazendo uma referência clara aos parques da própria Disney. Só Tim Burton para zoar com a Disney num filme feito pelo próprio estúdio. A dúvida que fica é se a empresa deixou isso passar batido ou se viu, riu e permitiu.
No entanto, apesar desses pontos que contam a favor, algumas outras coisas recaem em males desnecessários. A animação original, dirigida por sete pessoas, tem um trunfo excepcional em mãos que é ser curta, direta ao ponto, sem rodeios. Em apenas 60 minutos ela conta a história, emociona, desenvolve personagens e deixa marcas no espectador pelo resto da vida. Aqui, Burton e Kruger exageram no número de personagens -- além de Dumbo, há outros seis personagens que disputam a atenção.
Desses, só alguns estão bem. É o caso de Danny DeVito (Peixe Grande e Suas Maravilhosas Histórias), que encarna um personagem feito sob medida para ele. Michael Keaton (Fome de Poder) começa bem, mas vai enfraquecendo, recaindo numa atuação canastrona. Ainda assim, não desanima. O problema de verdade está em Colin Farrell (Animais Fantásticos e Onde Habitam), Eva Green (O Lar das Crianças Peculiares) e a jovem Finley Hobbins. Não entram em seus papéis e acabam tirando força de grande parte dos bons momentos do longa-metragem. Excesso de personagens dá nisso.
O visual típico de Burton também não fica evidente na história, excessivamente plastificada. Há a cena das bolhas, como já citado, assim como umas duas ou três cenas emocionantes que se vê a presença do diretor. Mas mais nada. Parece que ele sucumbiu de vez na indústria cultural, visto que o último grande filme dele foi Sweeney Todd, de 2007. Está parecendo o Shyamalan, quando começou a pegar a direção de blockbusters como O Último Mestre do Ar. Perdeu sua essência, o diferencial. Talvez seja o momento de Burton voltar às origens e redescobrir o que lhe motiva fazer filmes.
Dumbo, enfim, é um filme com momentos emocionantes, um CGI impecável e um visual interessante -- além de duas boas atuações e uma trilha sonora marcante. De resto, falta. Não há grandes inspirações de Tim Burton; o roteiro exagera no número de personagens e da duração, beirando as duas horas; e há pouco que se sobressaia ao se comparar com a história original. E aqui, voltamos às perguntas de todos os live-actions da Disney: qual é o real objetivo disso? Até agora, só dois filmes se justificaram. O resto foi para reacender uma nostalgia que estava adormecida tendo belos sonhos intocados.
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