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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Querida Mamãe' se perde em excesso de brutalidade


Não é fácil levar peças de teatro para o cinema. O roteiro, pra fazer sentido na tela grande, precisa ser ampliado sem perder a essência e, principalmente, precisa deixar o texto fluído e bem menos verborrágico. No Brasil, alguns exemplos deram muito certo nos cinemas (Pagador de Promessas, Auto da Compadecida), enquanto outros falharam terrivelmente em seus objetivos (Trair e Coçar é Só Começar). O novo Querida Mamãe, adaptado de uma peça de Maria Adelaide Amaral, infelizmente não supera os desafios e fica em num meio-termo esquecível.

A história é interessante e surpreendentemente original, mesmo 11 anos após a primeira encenação no teatro: Heloísa (Letícia Sabatella) é uma médica que se encontra frustrada em seu casamento com Sérgio (Marat Descartes) e com problemas de relacionamento com a filha (Bruna Carvalho) e a mãe (Selma Egrei). Um dia, porém, ela conhece a artista plástica Leda (Cláudia Missura) e a vida ganha novas cores. As duas passam a se encontrar e engatam um relacionamento, entrando em choque com as opiniões do restante da família de Heloísa.

O diretor Jeremias Moreira Filho, que foi responsável por algumas bombas como Fuscão Preto e Menino da Porteira, logo assume em Querida Mamãe que precisa ampliar a história, muito bem formulada por Maria Adelaide Amaral. O número de locações chama a atenção e o roteiro tenta abordar alguns assuntos que ficam à margem na peça, como o sofrimento da filha e questões pouco morais do marido. No entanto, o cerne da história continua a ser centrado no relacionamento entre Heloísa e a mãe, Ruth -- não é à toa o título do longa-metragem.

Entretanto, o roteiro adaptado do filme não consegue acompanhar ou, ao menos, complementar a coluna vertebral da história. Marat Descartes (Quando eu Era Vivo), por mais que esteja bem, é desperdiçado num personagem sem profundidade alguma. Ele só briga e agride, nada mais. Bruna Carvalho também se sai bem no papel da filha revoltada, mas o roteiro acaba esquecendo de desenvolvê-la e a torna só mais uma adolescente chata. E Graça Andrade (Cores), uma pena, fica à margem e serve como um alívio cômico bizarro sem função.

Volta-se, então, à estaca zero. A importância do filme está inteiramente baseada na relação entre Heloísa, Ruth e Leda. E nisso existem alguns problemas que não permitem um total aproveitamento da trama. Primeiro deles: Letícia Sabatella (Chatô) engole qualquer outro ator em cena -- até mesmo Selma Egrei (A Repartição do Tempo), sempre ótima, que aqui aparece caricata. Ela concentra os principais momentos do filme, não permitindo que a direção pouco delicada de Jeremias Moreira Filho atrapalhe o seu competente trabalho em cena.

Aliás, a falta de delicadeza é o que complica de vez a trama. O cineasta não consegue dar leveza às situações e não consegue deixar muitas das situações nas entrelinhas. Tem muita coisa boa sendo tratada, como homossexualidade na meia-idade, relacionamento familiar e outras coisas, mas tudo acaba em barraco ou em situações desnecessárias. Parece que o diretor tentou fazer algo parecido com Álbum de Família, de 2013, e acabou tendo um Casos de Família cinematográfico.

Até aspectos técnicos acabam prejudicando. A trilha sonora é usada à esmo, como no recente Dona Flor e seus Dois Maridos, e serve apenas para tapar buracos eventuais na trama. Em alguns momentos, até incomoda. A edição também é tenebrosa, dando cortes bruscos e pouco cadenciados, impedindo de dar qualquer dinamicidade na história -- uma briga inicial entre mãe e filha é assustadora de tão mal editada e pouco cadenciada

Querida Mamãe é uma história que tem uma boa questão central e que é tratada de forma relativamente interessante em certos momentos -- por mérito de Maria Adelaide Amaral. No entanto, acaba sendo desperdiçada numa produção repleta de arestas, com atores e personagens desperdiçados e, principalmente, sem nenhuma delicadeza em torno do tema ser tratado. Uma pena, pois Querida Mamãe merecia uma produção com mais cuidado e atenção.

 

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