Provavelmente você tem algum aparelho da Apple. Ou usa algum dos aplicativo do Google em seu dia a dia. Ou, ainda, é uma pessoa se entretém diariamente com vídeos de pessoas no YouTube e que mostram toda sua privacidade. Se identificou com algumas das opções? Então se prepare: o filme O Círculo, que acaba de chegar aos cinemas de todo o Brasil, vai fazer bastante sentido para você.
As provocações direcionadas ao setor de tecnologia já começam no nome e logotipo do filme, que é estrelado por Emma Watson (Harry Potter) e Tom Hanks (Forrest Gump). O símbolo por lembrar muito o formato do logotipo do Uber e o nome por fazer referência ao famoso e lendário campus em construção da Apple em Palo Alto, na Califórnia. Diferente das produções que enaltecem Steve Jobs, porém, em O Círculo o fundador da empresa representa nada mais do que uma grande sátira, com uma ponta de alerta.
Na história, acompanhamos trajetória de Mae (Watson), uma garota contratada para trabalhar na grande empresa de tecnologia que dá nome ao filme. Chegando lá, lhe é apresentado o campus e todas as pessoas, que se tratam como família e transitam no local como se fosse uma cidade com todo tipo de atividade possível. Até por isso, todos funcionários são "convidados" a passar a maior parte do tempo no local, inclusive quando não estão trabalhando.
A partir daí, o filme começa a construir sua primeira sátira com as empresas de tecnologia que já existem no mundo real. A própria situação de viver o tempo todo no campus é uma brincadeira e uma grande crítica ao estilo de trabalho das empresas modernas, que se vangloriam por serem bons locais de trabalho -- afinal, são empresas que oferecem salão de jogos, camas, sofás, TVs com videogames, academias e por aí vai. E o filme não teme em colocar em xeque esta questão: até que ponto é saudável juntar trabalho e vida pessoal?
Esta questão, porém, logo é deixada de lado e o filme começa a trabalhar como metralhadora: usando dezenas de comportamentos do mundo tecnológico, O Círculo faz sátira e provocações com o estilo de vida dos grandes empresários, com o modo como as pessoas se relacionam, com o crescente distanciamento entre familiares e amigos. São inúmeras questões levantadas, mas que, algumas vezes, acabam apenas tocando na superfície. E talvez nem fosse o objetivo se aprofundar nessas questões todas. Se quiser ver mais críticas sobre isso, melhor assistir A Rede Social, Ex Machina ou, até mesmo, o recente Steve Jobs.
Afinal, todas essas críticas iniciais parecem ser a preparação para o principal ponto do longa-metragem: o fim da privacidade. Em determinado momento, Mae aceita ser vigiada 24 horas por dia, alegando que age melhor quando as pessoas estão olhando. Afinal, ela vai agir de maneira mais correta ao saber que as pessoas esperam algo dela. E mais: não compartilhar o conhecimento do dia a dia e de suas atividades é até encarado como egoísmo. E se acontecer alguma coisa incrível? Como eu vou compartilhar essa coisa com outras pessoas se só eu vi e ninguém, nunca mais, poderá ver a mesma coisa?
Neste ponto que surge a grande provocação do filme: até que ponto ausência total de privacidade é saudável? Hoje em dia, já é muito comum os daily vloggers -- as pessoas que filmam suas vidas diariamente e postam no Youtube. Ainda que pareça divertido a princípio, acaba resultando numa quase que completa perda de privacidade, afetando não só quem filma, como quem é próximo. O filme, aliás, tem uma das cenas mais impactantes com este questionamento, envolvendo um ato com os pais dela e que é divulgado para todo o mundo. Pena não ter sido mais trabalhado e mais aprofundado.
No entanto, quando o filme chega nesta discussão, após muito elaborar sobre as outras questões e sem se aprofundar em nenhuma delas, O Círculo acaba. Simples assim. Ainda que a cena final seja de impacto e muito divertida por suas possíveis consequências, o filme não consegue aproveitar o tema de maneira completa e saudável. No seu auge, infelizmente, o filme faz apenas um rápido mergulho, mas logo volta à superfície.
Além disso, na ânsia de criticar uma série de instituições e hábitos, o filme acaba se esquecendo de contar uma história. Não sentimos empatia por Mae, apesar das dificuldades que atravessa, e muito menos por seu amigo Mercer (Ellar Coltrone, de Boyhood), que faz o papel de afetado pela tecnologia e pelo sistema. Tom Hanks, enquanto isso, não consegue evoluir em sua atuação, mas parece se divertir. E John Boyega (o Finn, de Star Wars) não tem começo, meio e fim com a sua personagem. Faltou ousadia ao diretor James Ponsoldt, que foi o responsável pelos agradáveis O Fim da Turnê e O Maravilhoso Agora.
Por fim, O Círculo acerta nas sátiras, mas se perde ao contar a história e se aprofundar num único tema. Além disso, para provar o ponto de vista, como a tecnologia pode afetar sua privacidade e, portanto, sua vida, o filme perde a lógica e deixa muitas questões vagas. A ideia é boa, porém mal executada. Seria melhor se o filme fosse mais conciso e se assumisse como um episódio de Black Mirror. Quem sabe, assim, ele enrolaria menos, focaria em um único tema e não se perderia em sua própria cobiça de criticar o universo.
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