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Bárbara Zago

'O Complexo de Cassandra' é rica obra sobre mitologia e feminino


A palavra mito é comumente associada à ideia de alguma coisa falsa, irreal. E não estou aqui para dizer o contrário. No entanto, a mitologia é um campo que se estende muito além disso, de maneira quase infinita. É através dos mitos que o ser humano consegue compreender sua própria vivência. Os mitos constituem não apenas histórias imaginativas, mas também referências aos inúmeros comportamentos humanos, ainda que isso passe facilmente despercebido na maioria das vezes.

Quando se trata de comportamento humano, é bastante razoável associá-lo, logo de cara, com a própria Psicologia. Joseph Campbell, autor de O Poder do Mito, afirma que "mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana", ou seja, dizem respeito àquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente. E é a partir dessa premissa que Laurie Layton Schapira escreve O Complexo de Cassandra: Histeria, Descrédito e o Resgate da Intuição Feminina no Mundo Moderno.

Como é possível imaginar, a analista junguiana inicia sua obra explicando ao leitor o que seria o mito de Cassandra, uma das filhas de Príamo e de Hécuba, reis de Troia. Um dia em que se encontrava no templo de Apolo, o deus prometeu-lhe conceder o dom da profecia, caso ela concordasse em dormir com ele. Cassandra aceita, mas não cumpre sua parte no acordo. E, de acordo com as histórias, uma vez que um favor divino é concedido, não pode ser tomado de volta. Apolo implorou por um beijo de Cassandra, e quando ela o fez, soprou-lhe em sua boca, fazendo com que ninguém acreditasse em suas profecias. Cassandra previu diversos desastres, porém todos duvidavam de sua palavra. Acabou sendo morta por Clitemnestra, esposa de Agamenon.

Confesso que compreender a mitologia requer uma dose de esforço, mesmo para aqueles que se interessam pelo tema. Laurie, na primeira parte do livro, resgata todo o contexto em que se deu o complexo de Cassandra, explicitando que se tratava de uma época de transição do matriarcado para o patriarcado. Cassandra nada mais foi do que uma vítima de seu tempo, o que acabou por abalar sua identidade feminina. A obra faz questão de situar o leitor tanto em termos mitológicos quanto psicológicos, propondo-se a explicar como o próprio Complexo de Édipo estava inserido nessa situação, até o conceito de Histeria.

Aos leitores que se distanciam do campo das Ciências Humanas, pouco se ouve falar a respeito da Histeria. Afinal, é um termo que caiu em desuso, mas que foi ponto de partida para os estudos de Freud. O que Laurie faz quando menciona esse transtorno é justamente inserir a questão do feminino. O termo hystera significa útero, reduzindo a doença à algo exclusivamente da mulher, e não num sentido positivo. A autora repassa por toda a trajetória da doença, mas acaba por dizer que sua sintomatologia nada mais é do que a expressão inconsciente dos valores femininos reprimidos. E essa repressão de determinados valores femininos se comunica quase que diretamente com o mundo em que vivemos hoje.

O texto é bastante complexo e exige um conhecimento prévio, principalmente por parte da Psicologia. No entanto, aos leitores que se debruçarem sobre o assunto, finalizarão a leitura com um olhar muito mais amplo à respeito da própria figura do feminino. Sua obra inclui casos clínicos ricos em detalhes, em que se pode perceber a relação com a mitologia, como explicitando arquétipos de deusas como Perséfone e Deméter, além de descrever o processo analítico que pode levar qualquer mulher a se tornar uma nova Cassandra. Compreender os mitos é um grande passo para quem se interessa pelo comportamento humano.

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