Toda vez que me deparo com alguma notícia sobre a guerra na Ucrânia, minha mente automaticamente viaja de volta para o período que estive por lá e meu coração aperta. Os rumores a respeito de uma possível guerra começaram em dezembro de 2021, exatamente o mesmo período em que visitei o país no ano anterior, em 2020. Não demorou muitos meses para que minhas redes sociais fossem tomadas por imagens de tristeza e desesperança que não dialogam em nada com as imagens que tenho salvas na minha nuvem. Eu vi uma Ucrânia totalmente diferente e é difícil explicar a sensação de impotência que chega acompanhada dessa reflexão.
Então, mais uma vez, uso esse espaço para ir na contramão do que se fala e ouve por aí e trazer aos leitores do Esquina uma versão mais doce do país. Como eu já mencionei no texto que escrevi sobre minha experiência em Chernobyl, eu desembarquei em Kiev apenas com a intenção de visitar a CHEZ (Chernobyl Exclusion Zone) e aproveitar uns dias sozinha fora do caos do Oriente Médio. Quando acesso as memórias desses meros 10 dias que passei em solo ucraniano, penso no centro tão iluminado que vi, pronto para receber o Natal, e na capital europeia viva que é Kiev, repleta de cantinhos deliciosos para visitar e cultura para consumir.
Uma das lembranças mais gostosas que tenho de lá é do dia que andei de norte a sul revisitando lugares revolucionários, literalmente, com uma moça que parecia bastante confortável em compartilhar suas memórias e vivências de quem viu de perto a luta de seu país por liberdade durante o confronto de 2013 que, inclusive, dialoga muito com o que está acontecendo hoje por lá.
Para quem está perdido um pouco na timeline histórica do país, a chave está naquela discussão de sempre: a Ucrânia vai ou não um dia conseguir integrar a União Europeia? Os ucranianos estão há muito tempo ansiando para uma proposta oficial de integração que deve ser apresentada nos próximos dois anos e, se aceita, deixa livre o caminho para que a Ucrânia seja parte do bloco econômico mais poderoso do mundo até o final desta década.
Apesar de ainda excluída da União Europeia, a Ucrânia sempre manteve com os países membros uma relação vantajosa de livre comercio, um acordo que foi propositalmente suspendido pelo então presidente para beneficiar suas relações diplomáticas com a Rússia. A decisão causou revolta e engatilhou um efeito dominó que se espalhou por todo o território, atraindo pessoas que protestavam contra a decisão e davam vozes as suas opiniões a respeito de um governo já polêmico, egoísta e corrupto.
O confronto, que começou como única manifestação estudantil, perdurou por três dias e culminou em muitas mortes de cidadãos locais pelas mãos de seus próprios. A polícia ucraniana, a mandato do presidente, fez com que muitos jovens – os mais atrevidos e as imagens de mais influência durantes os atos revolucionários – morressem como mártires. Muitos receberam homenagens de artistas e grafiteiros em Kiev, artes que pude ver com os olhos quando visitava uma Kiev ainda pacífica e colorida, apesar do inverno avassalador.
Os ucranianos com quem conversei e conheci me deixam a impressão de um povo respeitoso e aberto a conversas, ainda que essa abertura precise ser cultivada com perguntas e curiosidade. Eu senti que muitos ficam felizes com a oportunidade de contarem sua versão dos fatos e orgulhosos de perceberem que seu país gera interesse em europeus e latinos mundo afora. Em algumas pequenas interações seja com taxistas, atendentes ou funcionários do local que me hospedava, recebi inúmeras recomendações e fiz questão de tentar riscar o maior número delas da minha listinha no celular. Uma das refeições mais gostosas que já fiz considerando todas as vezes que estive em solo europeu foi na Ucrânia. Falo do famoso frango Kiev, que lembra muita nossa versão do frango a milanesa, só que melhor. O “frango Kiev” é um pedaço considerável de carne recheado com um molho bem quentinho de manteiga e ervas que derrete cada mordida. Acho que fiz questão de comer esse prato todo dia, em lugares diferentes, durante todo o período que estive lá.
A impressão que tive da Ucrânia foi extremamente positiva e me lembro de ter voltado ao Egito, onde residia na época, feliz de ter respirado ares tão diferentes e bons. Fiquei com os conhecimentos incríveis de Chernobyl, e com as memórias de uma capital simpática repleta de prédios em tons pastel que ficam lindos em qualquer foto, de qualquer ângulo. Eu entendo que atualmente é praticamente impossível pensar com ternura quando se ouve o nome dessa nação, mas eu prefiro acreditar que, em um futuro bem próximo, viajantes terão a oportunidade de ver a Ucrânia como eu vi: livre e sem manchas de sangue.
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