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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'A Casa que Jack Construiu' é forte, mas exagera na narrativa


Lars Von Trier não é um cineasta de meias palavras. Ele persegue seus objetivos com afinco e nunca deixa de escancarar, na tela, seus anseios -- Anticristo, por exemplo, transborda depressão; Ninfomaníaca, sexo; e por aí vai. Seu novo filme, A Casa que Jack Construiu, aposta na violência. Afinal, seu protagonista é um homem atormentado e sem sentimentos que mata por satisfação. É um psicopata. Talvez um serial killer. Von Trier, então, não pensa duas vezes antes de mostrar mortes explícitas na tela, que chocam e incomodam -- contrário ao movimento fílmico Dogma 95, que Lars Von Trier fez parte.

E não é só isso. A Casa que Jack Construiu não se concentra em apenas um espaço geográfico, em um único espaço temporal. Usando um recurso parecido com o do cult Ninfomaníaca, o protagonista Jack (Matt Dillon) trava um extenso diálogo com Verge (Bruno Ganz) para falar sobre doze anos de sua vida. Ao longo desse período, há vários homicídios cometidos e que ajudam a explicar melhor a personalidade do psicopata. São mulheres, idosas, crianças, animais. Nada escapa das garras desse protagonista.

Na primeira metade do filme, há um motivo por trás de todas as mortes. A da personagem de Uma Thurman, por exemplo, exemplifica uma possível falta de controle -- e é a que tem o aspecto mais cômico de todas. A de uma senhora solitária, enquanto isso, mostra o lado predador de Jack, além de fazer uma intrincada metáfora que vai ser melhor compreendida no ato final. São sequências brutais, que reviram o estômago, mas que possuem um pé fincado na simbologia e na construção geral do personagem.

É um estilo próprio de Von Trier. Ainda que menos didático do que visto em Ninfomaníaca, mas mais simples do que Anticristo e Dogville, o longa A Casa que Jack Construiu vai com calma, sem pressa, na condução da trama. O cineasta, durante 2h20, vai colocando tijolos na história de Jack. Por ser cru, a violência choca ainda mais. Por ser paciente, a trama impressiona mais do que o normal. É um acerto de direção inteligente e que é pouco visto no cinema, já que a pressa e a agilidade reinam na sétima arte. Von Trier, como sempre, faz o que quer, como quer e do jeito que preferir.

Há espaço, então, para o elenco crescer e se mostrar. Uma Thurman (Kill Bill), Sofie Gråbøl (A Hora do Lance) e Siobhan Fallon Hogan (MIB: Homens de Preto) se saem bem nos papéis de vítimas e convencem na emoção. Mas, infelizmente, aparecem pouco. Quem brilha, então, é a dupla Matt Dillon (Despedida em Grande Estilo) e Bruno Ganz (A Queda). O primeiro com a falta de empatia generalizada e que impressiona -- a cena do espelho é sensacional. O outro pela ironia frequente na voz e pela construção de personagem apostando apenas na entonação e na forma que conduz a narrativa geral.

No entanto, o mesmo ponto que eleva a produção de Von Trier é a que o derruba gradativamente: o exagero. Inicialmente no sentido de ir além em algumas das cenas. Uma envolvendo crianças, por exemplo, acaba caindo no vazio. É tão forte e gráfica que fica a dúvida se era tão necessária. Há exagero, também, nas histórias contadas. Em certo ponto da narrativa, se tornam repetitivas e cansativas. Parece que aquilo já foi dito, já foi contado. Poderia ter 20 ou 30 minutos a menos que não faria mal nenhum. Do jeito que ficou, com 2h20 e tantas histórias sequenciais, fica chato. Quase insuportável.

A conclusão da trama, desgarrada do restante da narrativa, pode incomodar e muitos vão se sentir "traídos" pela história contada até ali. A metáfora, antes restrita aos diálogos e pequenos exemplos, toma conta. E o filme passa a exigir conhecimentos do público que vão além do senso comum e do que foi contado. É, como tudo do diretor, incômodo, complexo, sensorial, arriscado, profundo. Muitos não vão gostar e bradar pelo dinheiro do ingresso de volta. Outros vão aplaudir e chamar de obra máxima.

O fato é que o filme arrisca e se arrisca. Não tem medo de ultrapassar linhas imaginárias morais, de chocar e de provocar. Faz tudo isso e mais um pouco -- há alguns, ainda, que consideram o filme machista e fascista. Sem dúvidas, é a vontade do diretor em deixar sua audiência em êxtase, pelo sentido negativo e positivo. E conseguiu. É um filme que vai provocar reações extremas no cinema. Assim como o filme em si.

* Filme assistido durante a cobertura especial para a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

 

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