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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: ‘Daphne’ faz relato interessante, mas raso, sobre 'crise dos 30'


Daphne, que empresta seu nome ao título do filme, é uma mulher inquieta. Com 31 anos, ela se sente velha demais para sair fazendo besteira por aí, mas jovem demais pra ficar em casa e ter um namorado. Isso gera a malfadada “crise dos trinta”, já vista em Lola Contra o Mundo e Frances Ha. A aposta do diretor Peter Mackie Burns para se diferenciar com Daphne é ir no âmago dos sentimentos para explorar a personalidade de quem passa por essa crise.

Logo nos primeiros minutos de filme, então, entendemos o que o estreante Mackie Burns -- não vou chamá-lo de Burns pra evitar piadas com Simpsons -- quer fazer. Ele mostra como Daphne não se encontra no mundo: ela não acha graça nas amigas, não quer um namorado pra chamar de seu e exagera quando sai por aí. Ele não encontra um meio-termo, entrando em uma grave espiral de acontecimentos autodestrutivos ampliados por conta de um trágico acontecimento.

Isso é mérito do roteirista Nico Mensinga, também estreante em longas. Ele consegue criar a personalidade de Daphne logo no começo, permitindo que o espectador compre -- ou não -- aquela personagem. É um início sem enrolação e que parece promissor, ainda mais no que diz respeito a algumas questões sensíveis da vida da personagem, como a relação já desgastada com a mãe e os problemas recorrentes que aparecem no trabalho, que parece não ter futuro.

No entanto, infelizmente, essa construção de personagem de Mensinga vai se perdendo. Ele não consegue sair da contextualização de acontecimentos, que se torna repetitiva em demasia. Daphne vai lá, faz alguma besteira, se arrepende e fica deprimida. Depois volta à isso, sem fim. A protagonista Emily Beecham (de Into the Badlands) está bem e, no início, segura esse ciclo sem fim. Só que ela vai perdendo vitalidade ao decorrer da produção. Não é erro dela.

O pior, porém, é que há espaços para transformação da trama: o tal acontecimento trágico que citei no início, as desventuras amorosas com um rapaz engraçadinho e a relação que tem com a mãe. Mas tudo isso é desperdiçado e parece entrar para o furacão de coisas sem rumo que é a vida de Daphne. Pode até ser proposital dos cineastas, mas não tem o efeito esperado. Só torna o longa-metragem, de apenas 90 minutos, mais cansativo e repetitivo que muitos filmes de 2 horas por aí.

Impossível falar, porém, que desse furacão de acontecimentos não há coisas boas, quando peneiradas. A relação com o chefe é interessante, mostrando a volatilidade desse mundo nos dias de hoje. Há, também, certa graça no comportamento errático de Daphne, muito bem dirigido e fotografado. Dá a dimensão da solidão da personagem -- assim como as conversas que ela tem com a cobra de estimação e as frases filosóficas prontas e de "botequim". É divertido

Aliás, falando das frases filosóficas, é interessante a influência que Mensinga teve de Slavoj Zizek, muito citado pela personagem-título. É uma técnica interessante e que pode resultar em algo divertido para os que se antenarem sobre isso.

No final, Daphne é um relato interessante sobre a “crise dos 30” e como ela pode se tornar destrutiva. Ainda assim, porém, é um relato que não funciona como filme, já que falta muito desenvolvimento de personagem, mais acontecimentos impactantes e mais momentos de peso. Hoje, se me pedirem recomendação sobre longas de crise de meia-idade, ainda vou recorrer à Noah Baumbach. Mackie Burns e Nico Mensinga precisam evoluir para ter algo parecido.

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