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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Praça Paris' amplia discussão de tensão racial no Rio de Janeiro


Praça Paris é um local, no Rio de Janeiro, deveras discrepante: inspirada na belle époque francesa, é uma praça cheia de fontes, jardins e, atualmente, conta com forte policiamento e dezenas de cariocas que praticam seus esportes. No entanto, ela foi construída na década de 1920 em cima de um grande aterro no coração do Rio. Local tão discrepante quanto o relacionamento central do longa-metragem Praça Paris, novo trabalho da ótima cineasta Lúcia Murat.

A diferença social mostrada na produção, porém, está concentrada em duas personagens: Glória (Grace Passó) e Camila (Joana de Verona). Aquela é moradora de uma favela no Rio, filha de um homem que a estuprava, ascensorista da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e irmã de um dos principais traficantes do morro. Camila, enquanto isso, é psicóloga, mora num bom apartamento e, por sua vez, é a terapeuta de Glória, trabalhando também na UERJ.

O simples relacionamento das duas é o que move a trama. Com um roteiro bem dosado e cheio de alfinetadas, a própria Murat e o escrito Raphael Montes (dos desesperadores Dias Perfeitos e Suicidas) consegue segurar todos os 110 minutos com essa premissa. As coisas se desenrolam bem e num ritmo cadenciado, marcado pela câmera precisa e sem firulas de Murat -- que está tão bem quanto no recente Três Atos. É uma dinâmica interessante e que incide em temas ligados à racismo, religião, ética da psicologia e, principalmente, diferenças sociais.

O clima construído também é extremamente tenso: numa crescente, as relações vão se estreitando e ampliando o poder do filme. É um longa -- talvez graças ao toque de Montes -- que vai mesclando a tensão social com aspectos do suspense. Algo, aliás, que Corra! fez muito bem em 2017 e que o vindouro As Boas Maneiras também faz de maneira criativa. É uma tensão que parece que vai explodir a qualquer momento por meio dos diálogos explosivos.

No entanto, o filme cai em alguns erros que acabam derrubando seu andamento -- ainda que o escopo, no geral, seja de um filmaço. A começar pelo elenco: enquanto Babu Santana (Tim Maia), o estreante Digão Ribeiro e, principalmente, Grace Passô (O Caçador) tomam conta da tela quando aparecem, a portuguesa Joana de Verona (Mistérios de Lisboa) tem uma atuação risível e que dói de assistir. Não consegue mudar de expressão, não é intensa quando precisa. Terrível.

Além disso, por mais que o roteiro acerte na construção de clima, ele acaba se tornando um tanto quanto maniqueísta demais. Na favela de Glória, só há pessoas ligadas ao crime -- seja o irmão, o pai ou sua paquera. Não há mistura de essências. Os policiais, enquanto isso, são todos horríveis e abusivos. E do lado de Camila, há um medo constante do que vem lá, sem cometer grandes erros. É uma visão bifurcada do mundo que não é a realidade e que incomoda.

Falta, também, aprofundar a personagem da terapeuta. Ainda que Joana de Verona não colabore, o roteiro também não se esforça. A personagem, ainda que não possa ser considerada rasa, não tem camadas e pouco de sua vida é exposto na tela. Pra ter uma ideia, só é apresentada a personagem de Glória como paciente e nem existe a figura do orientador da psicóloga. Alguns minutinhos a mais dedicados à personagem poderiam ajudar.

Praça Paris, ainda assim, é um filmaço nacional. Misturando suspense com drama social, consegue atingir graus profundos de provocação e causar uma forte reflexão quando um belíssimo fado -- da trilha sonora original composta por André Abujamra -- toma a tela. É profundo, ainda que maniqueísta, e mostra mais um acerto no cada vez mais consistente cinema nacional.

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