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  • Amilton Pinheiro *

Festival de Brasília 2017: Corpos políticos em 'Pendular' e 'Inocentes'


Os dois filmes exibidos na segunda noite da mostra competitiva do Festival de Brasília, no domingo, 17, tangenciam corpos humanos para falar de desejo, voyeurismo, pertencimento e relações amorosas.

O curta Inocentes, de Douglas Soares, parte das fotografias homoeróticas de Alair Gomes (1921-1992) para criar o seu universo fílmico, usando docudrama e fotografias de rapazes em trajes de banhos, na maior parte das vezes. Esses elementos de mise em scène exploram o universo idílico do artista que fotografava rapazes de classe média que ficavam expostos entre as calçadas, aparelhos de ginástica e pelas areias da praia de Ipanema.

Alair Gomes, que tinha formação em engenharia, começou a fotografar esses jovens da janela do seu prédio, que ficava nos fundos da rua Prudente de Morais. Pelas nesgas dessas janelas, ele fotografava aqueles belos dorsos e corpos de homens, com direito a pequenos detalhes, como o volume do pênis desenhado nas pequenas sungas que eles usavam – estamos falando do final dos anos 1970 e anos 1980.

Com o passar do tempo, o artista começou a fotografar esses rapazes das calçadas e depois das areias da praia. Ele dizia que “a Pedra do Arpoador é como se fosse a nova Olímpia”. Na última fase do seu trabalho de fotografias homoeróticas, o artista começou a levar aqueles rapazes, os que aceitavam, a maioria de classe inferior, para seu apartamento para fazer ensaios mais ousados que culminavam com atos sexuais. E foi um desses rapazes fotografados dentro do seu apartamento, que o matou em 1992 por estrangulamento, caso que nunca foi solucionado pela polícia.

O filme Inocente expõe com lirismo e ousadia, o universo fotográfico do homoerotismo que o artista tão argutamente criou. No curta, o diretor não se exime de expor umas das facetas mais extremas das fotografias do artista, os closes de pênis eretos, o maior ato de transgressão política que sua obra revelou.

No campo do afeto e da relação amorosa

No seu segunda longa-metragem, Pendular, a diretora Julia Murat, filha da cineasta Lúcia Murat, fala do lugar do afeto e de pertencimento dentro da relação de um casal de artistas, um escultor e performática de dança. Eles se mudam para um galpão, que servirá como espaço para o ateliê dele e de um estúdio de dança dela.

A demarcação desse espaço, a cisão desse lugar artístico, irá expor a falta de um território individual de cada um, seja artístico, seja pessoal. Se os corpos tomam o mesmo “lugar” no ato sexual, eles se repelem no cotidiano artístico e pessoal – ele desejando um filho que ela não quer gerar.

O filme Pendular, assim como o curta Inocente, não se intimida quando vai mostrar os corpos nus do casal transando, revelando um coito quase explícito, intensificando esse ato sexual para contrastar com a relação afetiva que se distancia. O lugar de pertencimento só acontece no ato sexual, o que não é suficiente para sustentar uma relação, que precisa ser permeada pelo afeto, chave para compreender a individualidade do outro e como isso respeitá-la.

Julia Murat acertadamente aposta nos pequenos gestos da atuação do casal (os atores Raquel Karro e Rodrigo Bolzan) e no tom minimalista do seu filme para expor as fragilidades de oscilação (pendular) que toda relação traz. Esse equilíbrio que oscila é metaforizado nas lindas cenas de performances de dança da personagem com cadeiras ou com um parceiro de dança.

* Amilton Pinheiro é enviado especial do Esquina da Cultura para o Festival de Brasília

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