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  • Foto do escritorMatheus Mans

'Em meus filmes, falo sobre sentimento', diz cineasta Mano Khalil


Teve início na última quarta-feira, 9, o 7º Panorama do Cinema Suíço Contemporâneo. Durante o evento, o público tem a oportunidade de entrar em contato com uma série de produções do país europeu que, geralmente, demoram mais do que o necessário para aportar aqui no Brasil -- outras, infelizmente, nem chegam a ser exibidas no País. E desta vez, uma das personalidade que veio prestigiar o evento foi o cineasta sírio Mano Khalil.

Munido do seu delicado Hafis & Mara, exibido durante a sessão de abertura, Khalil -- que mora, atualmente, na Suíça -- extrapola simpatia e disposição. Mesmo com contra-tempos para realizar a entrevista, o cineasta não deixou de se prontificar a falar com o Esquina com respostas completas, complexas e profundas, mostrando clara dedicação. É a personificação de seu trabalho, que não deixa de se aprofundar em temas humanos.

Abaixo, então, confira a entrevista completa feita pelo Esquina com Mano Khalil. E para mais informações sobre o Panorama do Cinema Suíço, clique aqui.

 

Esquina: Como está sua estadia aqui no Brasil? Está gostando? Gosta do cinema nacional?

MK: Eu simplesmente amo estar aqui. Até agora, quatro dos meus filmes foram apresentados no Brasil. Infelizmente, nos últimos anos, eu não pude vir e conhecer o público, mas agora estou aqui e realmente estou aproveitando cada momento da minha estadia. O Brasil é grande. Eu venho da Suíça e toda a Suíça tem apenas 8 milhões de pessoas -- imagine só que São Paulo tem 20 milhões de pessoas, 3 vezes mais do que toda a Suíça. Ontem eu andei 7 horas nas ruas. É surpreendente. Claro que, com a degustação de cada gota de caipirinha, você terá em mente os nomes dos grandes jogadores brasileiros de futebol como Sócrates, Facão, Éder, Zico, Romário, Jorginho, Bebeto.

Mas com relação ao cinema brasileiro, nos últimos anos, vi muitos filmes em Festival de Cinema e eles são muito fortes, contando histórias verdadeiras sobre a vida das pessoas e que interessam ao mundo . É claro que não lembro de todos os nomes de grande cineasta brasileiro, mas filmes como Central do Brasil ou Cidade de Deus escrevem parte da história do cinema brasileiro.

Esquina da Cultura: Como surgiu a ideia do documentário? Onde você conheceu Hafis e Mara? Como foi o contato inicial com eles?

Mano Khalil: Já fiz muitos filmes e, com isso, muitas pessoas sabem como eu trabalho e o que me interessa. Sou uma espécie de cineasta que lida com sentimentos. Amo filmar pessoas simples, como nós, sem saber nada sobre elas. Amo descobrir a alma do meu protagonista, profundamente. Para saber sobre seus sentimentos, seus pensamentos e vida cotidiana.

Esse encontro com Hafis foi há três anos, quando eu estava editando meu filme de ficção The Swallow -- que teve a chance de ser exibido no Brasil, aliás -- quando recebo a correspondência de um homem que me apresenta a história do artista Hafis, perguntando se existia a possibilidade de conhecê-lo pessoalmente, de falar com ele. Eu, sendo um cineasta que adora conhecer coisas da vida, me interessei. Afinal, também sou uma história.

Quando conheci pessoalmente o Hafis, não parecia que estava falando com um artista de 83 anos. Pelo contrário: ele estava cheio de energia, de esperanças e de vida. Naquela época, percebi como existem pessoas que vivem a vida toda para dar sentido a alguma coisa. E essas pessoas vivem suas vidas satisfeitas, não reclamam disso. E Hafis e Mara são assim: eles estão satisfeitos, olham para o futuro e vivem suas vidas.

Para eles, o sentido da vida é, precisamente, na própria vida. Isso foi o que me fez falar com Hafis e Mara e decidir fazer um filme sobre eles, sobre a interessante vida dos dois.

Só que não foi tão fácil começar as filmagens. Visitei Hafis e Mara na casa deles, uma das mais antigas da cidade de Freiburg, na Suíça, datada do século XXII. Conversei com os dois, só que Mara não estava muito feliz em fazer parte do filme. Mas eu expliquei as coisas pra ela, os visitei muitas vezes e eles até vieram me visitar em minha casa. Nós construímos uma amizade, de fato, baseado no respeito e no amor.

Quando ela entendeu que eu estava levando a sério o filme com eles, e que não estava apenas querendo filmá-los para depois esquecê-los, ela concordou em fazer parte do documentário. Mara abriu seu coração, durante as filmagens, e compartilhou todos os seus segredos.

Esquina: A história é cheia de camadas, falando sobre velhice, a arte, o amor, a passagem do tempo. Como lidar com tudo isso no documentário sem confundir ou cansar? Como você conseguiu isso?

MK: Como disse, eu adoro falar sobre os sentimentos e digo o tempo todo: sem sentimentos, não existe filme. E isso vale tanto quando estou fazendo documentários ou quando estou filmando uma história de ficção. A diferença é que em um documentário, nada é planejado. Não sei como o filme começa, como o filme termina. Posso filmar por um ano ou dois...

Adoro compartilhar minha história, pois a vida ajuda a escrever as melhores cenas e as melhores histórias que se desenvolvem durante o processo de filmagem. E este processo de tempo de vida me dá a possibilidade de conhecer meu protagonista muito bem, eles se tornam parte dos meus sentimentos. A partir daí, posso misturar a vida diária com tudo o que está acontecendo durante as filmagens. Eu tenho meu tempo para filmar -- eles têm tempo para contar a história.

Eu não queria falar apenas sobre envelhecer e me despedir de todos. Eu queria falar sobre o amor em nossa vida, sobre envelhecer satisfeito, entender que estar aqui nesta vida sem sofrer é muito bom.

Como os dias de Hafis, o fim de nossa vida - a morte - está nos reclamando toda a nossa vida desde o momento em que nascemos. E esse fato é natural, temos que lidar com isso e nos preparar para isso, então podemos aproveitar o momento em que estamos aqui. Se nunca nos esquecemos de que viver é temporário, só então podemos aproveitar a vida plena.

Para mim, a vida sem amor não tem significado. Nós viemos ao mundo durante um "ato de amor" dos nossos pais. Significa que o amor nos fez, temos que viver com essa "coisa". Sem ela, somos perdedores. Por isso, em Hafis & Mara, eu não queria reclamar sobre a morte e sobre o fim. Eu tentei celebrar a vida com amor, respeito e sacrifício.

Eu acho que, dessa maneira, eu tentei deixar a audiência falar sobre sua vida e começar a reconhecer essas pequenas coisas as quais às vezes as esquecemos - por exemplo, para dizer a alguém que você é amor!

Esquina: O filme fala muito sobre como a arte pode resistir ao tempo. Como você acha que seu documentário vai se comportar com o passar dos anos?

MK: Vivemos em um mundo apressado. Em torno de nós, tudo é como um relâmpago: recebemos um e-mail, uma mensagem de texto e, imediatamente, temos que dar uma resposta. Essa rapidez na vida, certamente, tem uma influência em nossa arte e pensamentos. Mas, como artistas, tentamos descobrir a alma interior do ser humano, algo diferente para as gerações de McDonald's e Tartarugas Ninja. E é claro que esperamos estar de acordo com nossos sentimentos.

Mas, há uma esperança. O homem é feito de carne, ossos e sangue e tudo o mais que compõe uma alma. Só que esta alma, fina, gentil e amorosa, está desmoronando. E é através do nosso trabalho que tentamos transmitir, de novo, esse amor. Sucesso ou menos sucesso não importa. O Cristo ou o próprio Buda não foi um profeta para toda a humanidade em todo o mundo, e eles fizeram mudanças, mas não puderam mudar a palavra toda. Mas, quero dizer, na Bíblia do artista, às vezes, é suficiente fazer alguém rir ou dar coragem a alguém para continuar vivendo e pensando no sentido da vida. Então, acredito que nossos filmes -- nossas pinturas, nossa música e literatura -- permanecerão por muito, muito tempo. Eu espero.

Esquina: E qual é a sua expectativa com 'Hafis e Mara' daqui para frente? E seus novos projetos?

MK: Na Suíça, temos uma tradição muito boa com documentários, tendo uma cultura de fazer esse tipo de filme e levá-los à público. A distribuição é simplesmente perfeita. Na Suíça, exibimos nosso documentário no cinema num horário nobre como qualquer outro filme de Hollywood. A distribuição do documentário é bem feita.

Agora, Hafis & Mara está sendo convidado para vários festivais de cinema pelo mundo, entre eles, em maio, no Festival de Documentários de Cracóvia, participando da competição internacional. O filme também foi convidado para o Perpignan Art Film Festival.

Em relação ao meu novo projeto cinematográfico, estou começando a produção do meu novo filme de ficção Abyssos -- que tem apenas um título de trabalho. É um grande filme sobre a vida de um menino de 7 anos, vivendo em um país governado por um ditador. É em parte minhas biografia. Espero que possamos apresentar o filme em dois anos no Brasil e, claro, ficar feliz em vir aqui novamente. Afinal, é a minha primeira vez no Brasil, mas nunca será o última.

 
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