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  • Pedro Balciunas

'Animais Noturnos' vs. 'Tony & Susan': quando filme é melhor que livro


Contrariando a máxima de que o “livro será melhor que sua adaptação”, não raro encontro essas preciosidades cinematográficas que conseguem se tornar maiores que a obra que lhes deu origem. Hoje, falarei do filme Animais Noturnos, de Tom Ford, que passou mornamente pelos cinemas no ano passado e que – injustamente – só apareceu indicado ao Oscar em uma categoria (melhor ator coadjuvante para Michael Shannon).

Quando falamos de uma adaptação de páginas para telas, a comparação não só é inevitável como torna-se saudável do ponto de vista crítico. Toda adaptação, independente de qual via ela siga, deve ser compreendida como uma criação, uma nova visão sobre o que está sendo recriado – e isso inclui as traduções. Quando penso na comparação livro X filme, creio que o maior problema de Tony & Susan tenha sido sua tradução. Austin Wright, autor do livro, não pode ser considerado um best-selling em sua terra de origem, mas sempre arrancou elogios da crítica especializada.

Publicado no Brasil em 2011, Tony & Susan teve a infelicidade de ser editado pela Intrínseca. Nunca tive boas experiências com os livros dessa editora, pois sempre tive a sensação de ler algo traduzido da forma mais simples para o leitor entender. Pudera, é uma editora especializada em best-sellers infanto-juvenis e adaptados para o cinema (Sagas Crepúsculo, Percy Jackson, Cinquenta Tons, etc)

A principal diferença entre livro e filme é a composição das personagens, retirados de um círculo classe média para fazerem parte da alta sociedade estadunidense. Enquanto no livro Susan é uma dona de casa que já passou dos quarenta e dá algumas aulas de inglês na faculdade para não se sentir completamente inútil perante suas aspirações juvenis, o filme de Tom Ford a transforma em uma artista plástica milionária no auge da crise criativa. Já seu segundo marido, além de mudar de nome (de Arnold para Hutton), também troca de profissão (médico no livro para empresário no filme).

A essência da trama, porém, é a mesma: Susan Morrow recebe um manuscrito de seu primeiro marido, Edward, e durante a leitura, passa a questionar as decisões tomadas por conta das relações paralelas estabelecidas entre a ficção de Edward e a realidade de ambos. A grande diferença, porém, encontra-se na linguagem que as histórias foram contadas.

O dinamismo e tensão constantes do filme – sempre ponderados por cortes e baques, nem sempre emocionais, que tiram Susan da ficção e a trazem de volta para a realidade – se contrapõem à obviedade da ensossa rotina da Susan das páginas. A confluência entre os dois mundos vividos por Susan Morrow – o do livro de Edward e a vida real – é muito mais profunda. Os elementos trazidos no filme para a construção da história pregressa do casal são muito mais ricos do que lemos no livro. Enquanto a Susan da tela é uma personagem complexa, a das páginas esforça-se para ter algum rasgo de profundidade:

“Agora ele é Tony, o homem artificial. Susan se pergunta o que será isso. Em geral ela desconfia de palavras como oco e superficial. Será que ela é oca ou cheia?” (PÁGINA 165).

Além do apuro estético de Tom Ford, o filme traz situações que não estão presentes no livro - como conflito de classes sociais, casamentos de conveniência e questionamentos éticos – e que criam uma tensão constante no espectador. Já o livro, peca pelo excesso de trocadilhos que muitas vezes confundem o leitor, quando não o irritam dada a sua absurda simplicidade.

Animais Noturnos talvez seja aquele filme que você não queira ver com seus pais. Já Tony e Susan, porém, certamente será uma leitura que agradará as mães – caso elas não queiram jogar o livro na parede.

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