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  • Bárbara Zago

Artigo: a psicopatia e o fenômeno de Ted Bundy


Foi o Ted Bundy que praticamente inaugurou o termo serial killer, ou assassino em série. A cultura norte-americana é uma das principais responsáveis por termos tanto fascínio por psicopatas, ainda que eles sejam fascinantes por si só -- e não de uma maneira positiva. Desvinculados de valores éticos e morais, alguns psicopatas entraram para a história após cometerem homicídios que chocaram o mundo e não apresentarem remorso em relação aos seus atos. Um indivíduo que age dessa maneira confronta nossas ideologias e acaba por ativar nosso lado emocional. Mas por que alguns deles se tornaram particularmente famosos e conseguiram, inclusive, criar um legado de fãs e admiradores? A psicopatia vai muito além de um lado frio e calculista, sendo uma de suas principais características a sua incrível habilidade de manipulação.

Sendo diagnosticada somente após os 18 anos de idade, a psicopatia é entendida como um conjunto de características da personalidade, fazendo parte dos chamados transtornos de personalidade, que são anormalidades do desenvolvimento psicológico que perturbam a integração psíquica de forma persistente, provocando alterações na forma em que o indivíduo percebe o ambiente e a si mesmo, ainda que isso não signifique uma ruptura com a realidade, como num surto psicótico.

Até hoje a Psiquiatria e a Psicologia não entraram em um consenso se a psicopatia pode ser considerada ou não um sinônimo do Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), o que, por vezes, dificulta consideravelmente o diagnóstico. Todavia, a melhor maneira de se enxergar isso é pensando-as como categorias sobrepostas e complementares, e não excludentes. É possível inferir que todos os psicopatas são antissociais, porém destes nem todos são psicopatas. Tendo em vista que a psicopatia encontra-se dentro do TPA como um padrão, faz-se necessário entender mais a fundo tal transtorno.

Antes de introduzir conceitos relacionados ao transtorno, é importante ter clareza sobre o termo personalidade. Com origem na palavra persona, que se refere às máscaras antigamente utilizadas no teatro para expressar emoções, personalidade diz respeito aos aspectos de um indivíduo que são percebidos pelos demais. Dentro disso, pode-se falar em conjunto de crenças, motivações, reações emocionais, padrões de pensamento e tendências particulares de cada pessoa. De maneira resumida, é a forma que o indivíduo se mostra ao mundo externo. A personalidade é formada por três componentes: caráter, temperamento e constituição. O caráter é cognitivo e depende da interação com o meio ambiente. O temperamento é afetivo e herdado. Por fim, a constituição é biológica e também herdade. Portanto, o primeiro deles é o único que se mantém maleável para administrar, pois é apreendido. No entanto, o temperamento, que é inato, pode ser influenciado pelo caráter.

Os estudos sobre a personalidade tiveram seu início no século 18 e tratavam de uma loucura com ausência de delírio. Falava-se em criminosos com um comportamento alterado e repetitivo que cometiam infrações e ainda assim não apresentavam qualquer sinal de remorso.

O diagnóstico de um transtorno de personalidade se dá a partir de traços do caráter; isso significa que, quando um traço é inflexível e leva um indivíduo à um prejuízo funcional é possível detectar um dos tipos de transtorno de personalidade. Atualmente, são 10 subtipos que estão divididos em grupos. O que nos interessa nesse momento é o chamado Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), que pertence ao Grupo B, cujas características principais são impulsividade e uma natureza dramática.

Quando falamos em TPA a principal característica está no desrespeito reiterado aos direitos dos outros e no desprezo por regras sociais. Pessoas que apresentam esse transtorno costumam ser manipuladoras, irresponsáveis e hostis. Mais do que isso, revelam uma significativa indiferença ativa, além de um estilo de vida nômade e socialmente desviante.

Pensando agora na psicopatia, que seria um determinado padrão de comportamento, falamos sobre um perfil específico: charme superficial, inteligência, ausência de delírios e de pensamentos irracionais, ausência de nervosismo, falta de confiabilidade e falta de remorso. Diferente do que estamos acostumados, psicopatas não aprendem com a experiência. São pessoas egocêntricas ao extremos, arrogantes e incapazes de sentir amor ou afeição.

O psiquiatra Guido Palomba faz uma analogia que permite entender perfeitamente o funcionamento da mente de um psicopata: assim como o dia e a noite estão em pólos opostos, o mesmo acontece com a sanidade e o transtorno mental. O que existe entre o dia e a noite é a aurora, em que ainda existe clareza, mas não por completo. O psicopata estaria entre os extremos da sanidade e do transtorno mental; ao mesmo tempo em que possui uma perspectiva diferente da realidade, esta não é alterada como na psicose, em que podem existir delírios e alucinações. Um psicopata é capaz de compreender suas ações, ainda que não sinta empatia com o sofrimento alheio.

Aparentemente, estes indivíduos têm um comportamento normal, demonstrando serem pessoas agradáveis e de bom convívio social, o que facilita o acesso às suas vítimas. Um dos casos norte-americanos mais famosos diz respeito à Ted Bundy que, mesmo acusado de assassinar mais de trinta mulheres, ainda possuía fãs e recebia bilhetes de garotas ao longo das sessões no tribunal de Justiça. As vítimas do Maníaco do Parque também relataram terem se sentido atraídas por Francisco Assis Pereira antes de serem atacadas.

Psicopatas costumam ser inteligentes, articulados. A mentira e a sedução são utilizadas com frequência. Inclusive, a aparente sensibilidade afetiva aparece como recurso dentro dessa manipulação, pois é sempre em benefício próprio. Quem assiste o documentário da Netflix, Conversations with a Killer: The Ted Bundy Tapes, fica em choque quando o assassino pede sua namorada em casamento em pleno julgamento para tentar escapar da execução na cadeira de choque. Sua empatia ou pseudo afetividade é sempre um instrumento utilizado pensando nele mesmo.

Muitas vezes o termo psicopata é associado à assassinos em geral, pois em nossa sociedade é completamente imoral matar outra pessoa. No entanto, possuem uma personalidade bastante típica. Diferente de um criminoso passional, um psicopata planeja o crime e possui marcas próprias. Seu arrependimento costuma aparecer não na infração, na violência em si, mas quando pensa o que ele perdeu com aquilo. Não existe remorso algum.

Pelo fato de assassinos em série terem um grande apelo midiático, muitas vezes se comete o erro em pensar que todo psicopata necessariamente irá cometer crimes. A psicopatia é um padrão, mas se reflete da mesma forma em todas as pessoas. Mesmo assim, ainda hoje faltam estudos que comprovem a eficácia de um tratamento para um psicopata, principalmente em casos extremos.

 

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