Atenção: a matéria tem spoilers sobre o livro e o filme! Não siga adiante se não quiser saber mais informações sobre a história.
Não é segredo para ninguém que Stephen King, autor de O Iluminado, odeia a versão cinematográfica feita pelo cineasta Stanley Kubrick. Em 2014, numa entrevista à editora Companhia das Letras, o autor disse que continua não gostando do longa, apesar de achar o resultado visualmente bonito. “Não é meu livro e não é um bom filme, pra mim. É todo estilo e nenhuma substância”, diz King na entrevista à Ana Maria Bahiana.
Por isso, resolvi traçar um paralelo entre a obra literária e a cinematográfica. As diferenças, os pontos altos e baixos de cada uma, suas particularidades. E deixo em aberto para você, leitor, decidir qual das obras, em sua opinião, é a superior. Você é King ou Kubrick?
Vale ressaltar, é claro, que a transposição da história de um livro para um filme nunca é completamente satisfatória, afinal, quando lemos, colocamos nossa imaginação ali e o deixamos perfeito, em uma visão particular. O cineasta, quando faz um filme baseado numa obra literária, coloca, além de sua imaginação particular, elementos bons cinematograficamente. Às vezes, algo bom num livro não ficaria legal em um filme.
AS DIFERENÇAS INICIAIS
No livro de King, temos um retrato psicológico tenso e intenso de Jack Torrance, o patriarca da família que vai morar em um hotel isolado. Ao decorrer das páginas, vamos seguindo os meandros das mentes do pai, que vai se revelando alcoólatra e com graves problemas psicológicos. A relação entre ele e a esposa se mostra bem frágil logo nas primeiras páginas. Isso se deve, ficamos sabendo logo depois, a um momento no qual o pai quebra o braço do filho Danny por mexer em alguns papeis.
A esposa, aliás, tem um papel importante na história de King. Ela é o personagem mais consciente do que está acontecendo ali naquele hotel. E Danny, talvez, seja o mais interessante ali. Ele tem o poder de ser “iluminado”, ou seja, consegue ver e sentir coisas que as pessoas ao seu redor não sentem. Além disso, espíritos o influenciam em suas decisões e o alertam, quer seja para o seu bem ou não. Tony, seu melhor amigo imaginário, alerta Danny frequentemente de que seu pai é um risco em potencial.
Assim, somente com essa brevíssima análise do livro, vemos que King pretendia mostrar os poderes místicos do hotel no qual a família está desde o começo, relatando o poder do garotinho e os problemas de Jack no passado. Ele não pretende criar um suspense, mas sim um terror psicológico e que extrapola a sensação de realidade em alguns momentos.
Já no filme de Kubrick, vemos, logo nas primeiras cenas, um direcionamento completamente diferente. Ao contrário de King, que constrói um terror psicológico no qual acompanhamos de perto as transformações no hotel e nos personagens, o cineasta prefere deixar o espectador à deriva, sem noção do que acontecerá em seguida. O diretor não nos conta absolutamente nada. Descobrimos tudo com Jack, Wendy e Danny.
E devido a essa escolha que difere do livro, muitas outras coisas acabam sendo mudadas. Primeiro, o roteiro do filme dispensa todas as histórias do passado da família Torrance, focando apenas nos acontecimentos do hotel Overlook. A história, também, quer inserir o espectador dentro do filme para ter a sensação de descobrimento junto com os personagens. Note as câmeras abertas, por exemplo, ao seguir Danny e seus passeios de triciclo pelos corredores. O espectador vira com o garotinho nos corredores, junto com ele. Descobrimos o que tem a cada esquina com o personagem. É um efeito visual adotado pelo diretor.
Outro elemento narrativo implementado no filme é a obsessão de Jack pelo seu novo livro. Enquanto na obra de King isso é algo completamente secundário, na de Kubrick isso é elevado à máxima importância. Vamos descobrindo sobre a insanidade de Jack através de sua escrita cada vez mais desconexa e insana.
AS DIFERENÇAS ENTRE OS PERSONAGENS
Jack, talvez, seja o personagem mais diferente. Como já dito, Kubrick dispensou todo o passado do personagem, incluindo o fato dele ser um ex-alcoólatra. A loucura dele, no filme, se deve apenas ao que acontece no hotel, que é mal-assombrado. Enquanto isso, no livro, ele é uma pessoa que ama sua família e que fica desequilibrado pela falta de bebida. As assombrações do Overlook acabam apenas intensificando essa sensação que a falta de bebida trouxe.
Até por isso, Jack Nicholson tem uma interpretação incrível do personagem. Kubrick dispensou todo o passado perturbador dele, necessitando de uma atuação impecável do ator para convencer o público de que houve, ali, uma loucura gradativa.
Quanto à personagem de Wendy, tem pouco a se falar. Ela é o grande ponto negativo do filme de Kubrick. A atriz Shelley Duvall é péssima e não consegue passar o ar necessário de ser o personagem mais racional da trama. Descrita no livro como uma mulher loira e extremamente bonita, Duvall possui péssimas expressões e não convence. Além disso, acaba sendo muito submissa ao marido na maior parte da obra cinematográfica.
Quanto a Danny, a diferença principal é sobre Tony, amigo imaginário do garoto. No livro, Tony aparece apenas nos sonhos de Danny. Já no filme, Kubrick aposta em algo extremamente non-sense: Danny traduz, com uma voz esganiçada, o que Tony estaria pensando e coloca o ser imaginário como se fosse seu próprio dedo. Entenda melhor a estranha aposta do cineasta:
AS DIFERENÇAS ENTRE CENAS MARCANTES
Muitas cenas do filme, algumas até mesmo icônicas, nem ao menos existem no na obra de King. A cena na qual Danny encontra as gêmeas no corredor, por exemplo. No livro, a passagem é mais simples. O garoto encontra apenas duas manchas de sangue, marcando o local da morte de duas pessoas.
Outro ponto que é aumentado no filme é a passagem do elevador. Nele, Wendy vê um mar de sangue saindo de lá. No livro, enquanto isso, o elevador apenas funciona sozinho, sem ninguém o acionar.
Porém, a que mais difere é a cena de Jack quebrando a porta com o machado e tentando alcançar a esposa e o filho. Vale ressaltar que a esposa quase não se defende, apenas enfia uma faca na mão do marido. No livro, porém, a passagem é muito mais pesada. Jack agride Wendy com um taco de críquete, enquanto ela consegue dar uma facada nas costas do marido e se defender com uma gilete.
O FINAL
O final é o ponto mais discrepante, sendo um totalmente diferente do outro. No livro, Hallorann, o cozinheiro do hotel, volta ao Overlook e salva Wendy e Danny de Jack. Nas últimas páginas, ele quase é possuído pelos poderes do local, mas acaba indo embora com os dois sobreviventes. O hotel acaba explodindo com Jack dentro dele.
Enquanto isso, no filme, Jack persegue Wendy e Danny do lado de fora do hotel, numa espécie de labirinto de arbustos. Mata Hallorann, que não consegue fazer nada contra ele. Porém, Jack acaba morto congelado e vira mais um espírito que assombra o local. Danny e Wendy, como no livro, conseguem fugir, só que sem Hallorann.
Enfim, o livro e o filme diferem em muitas coisas, como mostrado na matéria. Outros pontos, mais específicos, também acabam sendo diferentes. Tudo isso incomodou demais King, como dito no começo, que acabou produzindo, em seguida, um filme, completamente fiel ao livro. O único problema é que ele foge dos parâmetros comerciais ao ter mais de quatro horas de duração. E o que você acha? Kubrick acertou na adaptação? Deveria ter mantido mais aspectos do obra de King?
O final foi bem diferente um do outro. Enquanto o livro conta que a caldeira do hotel explode destruindo tudo, o filme não tem nada disso. O jardim em forma de animais do livro (coelho, cão e leões) se tranforma em jardim em forma de labirinto. Dick Halloram sobrevive ao ataque de Jack no livro e resgata Danny e Wendy para fora do hotel e no filme Dick Halloram morre. Bem diferente, mesmo.
" ...A atriz Shelley Duvall é péssima e não consegue passar o ar necessário de ser o personagem mais racional da trama. Descrita no livro como uma mulher loira e extremamente bonita, Duvall possui péssimas expressões e não convence. Além disso, acaba sendo muito submissa ao marido na maior parte da obra cinematográfica. "
Teu c*! Sendo que o próprio Nicholson já declarou em entrevistas que Shelley foi a atriz que melhor contracenou com ele em toda sua carreira e a personalidade e visual frágil da sua personagem foram readaptados por Kubrick justamente pare enfatizar a relação familiar disfuncional sofrida pela mãe e filho devido o pai de família se mostrar um ser tóxico e alcoólatra cujo desfecho no film…