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  • Foto do escritorMatheus Mans

Brasileira transforma caixões em obras de arte


A morte é um tema que nos fascina. Afinal, além dela, temos apenas desconhecido. Talvez o nada, talvez o tudo. É um mundo de possibilidades que se abre e que faz com que a mente das pessoas mais criativas desperte e comece a criar coisas que brinquem com este universo -- como é o caso de Aline Pascholati.

Nascida e criada na cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, ela decidiu partir para Sorbonne, na França, para estudar História aos 18 anos. Foi ali que Aline se reinventou: no penúltimo ano do curso, ela começou a participar de exposições de arte no país europeu e, depois, não parou. Agora, aos 27 anos, Pascholati já expôs em 8 países e vive uma constante e intensa renovação, buscando novas formas de expressar sua arte.

Seu novo projeto, como pode ser visto na imagem que abre esta entrevista, é belo e extremamente original: transformar caixões em obras de arte. Com esta proposta inquietante e provocativa, Aline conversou com o Esquina. Além do atual projeto, a paulista falou sobre sua relação com a morte, a inspiração para a arte e, é claro, sobre o futuro -- incluindo um provável medo pelo que ela verá do "lado de lá". Abaixo, os melhores trechos da conversa com a artista plástica, historiadora -- e, mais recentemente, youtuber -- Aline Pascholati:

Esquina: Como surgiu a ideia de trabalhar com caixões como obras de arte?

Aline Pascholati: Essa é uma história engraçada. Um conhecido de longa data, que aprecia muito a minha arte, me encontrou em um bar e perguntou se eu gostaria de pintar um caixão – ele é um dos donos da maior fábrica do segmento na América Latina, a Urnas Bignotto – e havia visto uma tela minha que representa um caixão com asas de borboleta, comparando assim a morte com a metamorfose da borboleta, ou seja, uma passagem para a imortalidade. Posteriormente, ele me confessou que inicialmente pensou que eu não fosse aceitar, mas lembrou-se de minha personalidade excêntrica – “você usava cartola com 16 anos nas festas” – e decidiu dar uma chance para a tentativa. Na hora que ele me falou sobre sua ideia, meu "cerebrozinho" deu um pulo! “Mas como é que eu não pensei nisso antes?” E eu, obviamente, respondi sim. É claro que eu queria! Quem é que não ia querer usar um caixão de base para criar uma obra de arte? Eu já havia pintado uma vaca da Cow Parade em 2013 e foi uma experiência muito legal me desprender da tela e dos suportes tradicionalmente planos. Ainda sugeri fazermos uma sessão de fotos de mim mesma dentro da urna funerária. Se for para causar, façamos direito.

Muitas vezes, algumas pessoas impõem limites às artes. Dizem que certas coisas extrapolam o aceitável -- como pode ocorrer com sua obra. Como você encara isso?

Encaro a arte de maneira exatamente avessa a essas pessoas. A arte está aí para fazer refletir sobre os mais diversos temas, inclusive os tabus! O estranho seria não falar da morte. O caixão acaba assustando algumas vezes exatamente porque trata de um dos maiores tabus, que é a morte. Além das dúvidas e incertezas relacionadas ao tema que são inatas aos seres humanos, a morte acaba sendo algo sobre o qual não se fala muito de maneira direta. É mais bonito falar “faleceu” ao invés de “morreu”, tem que se dizer “mas ele agora está em um lugar melhor”, não se pode falar mal de alguém falecido. Algumas pessoas levam minha obra no bom humor e muitas declaram querer um caixão by Aline quando morrerem – sempre acrescentando que demore bastante, é claro (risos) – mas outros não gostam nem de ver uma foto da obra, falar sobre ela, que dirá tocá-la. Acho que esses tem pavor da própria morte. E talvez seja exatamente por isso que alguns possam achar minha criação desrespeitosa, sobretudo, quando veem as fotos que tirei dentro dela. Foi uma maneira tanto de chamar a atenção para a obra, quanto de brincar com a ideia da morte. Não que eu queira morrer, mas não vou sair por aí com medo de tudo, apavorada, pensando o tempo todo no fim. Viver com medo da morte é já estar nos braços dela, é estar morto.

A morte é uma boa maneira de se expressar?

Para mim, é uma maneira necessária de expressão. Quando adolescente, eu nunca fui muito ligada em religião e duvidava da existência da alma. A ideia de que o tempo flui até a chegada de uma morte inevitável me inquietava muito; até que fui a um velório de uma pessoa muito querida, aos 17 anos, e, vendo seu corpo sem vida, percebi que aquela não era ela! Era só uma casca. Cheguei então a conclusão, que muitos outros já haviam chegado antes de mim, mas que eu precisava descobrir por mim mesma, de que a alma é imortal e o tema me intrigou cada vez mais. Realizei meu primeiro trabalho em cima do tema em 2010, quando pintei uma tela representando um caixão cinza com asas de borboleta lilás, a cor da transmutação segundo a tradição Rosa Cruz. No mesmo ano, comprei uma câmera e comecei a trabalhar na série de fotografias em preto e branco sobre a efemeridade da existência, colocando sempre em cena um relógio de bolso do meu tataravô que representa a passagem do tempo (veja imagem abaixo). Junto a ele, sempre figuram elementos que significam a efemeridade da vida e as vaidades e riquezas terrestres, inspirada por pinturas holandesas do século XVII que eu estudava na faculdade, as chamadas Vaidades. Ou seja, de um lado eu mostrava a inquietude com a passagem do tempo, e de outro, a certeza em uma imortalidade da alma. Apesar de técnicas e visuais completamente diferentes, as duas séries, A efemeridade da existência e Metamorfose, se complementam. A morte da minha própria mãe no ano seguinte, em 2011, me estimulou a continuar tratando o tema, que se tornou uma espécie de catarse para mim. Minha esperança é que os espectadores, ao contemplar essas obras e outras que eu possa vir a criar, possam realizar a mesma catarse e se questionar sobre o que estão fazendo com as próprias vidas, que, apesar de não ser o fim de tudo, ainda assim, é um período curto. Finalmente, em 2015 e 2016 entrei em contato com a umbanda e a religião yorubá dos orixás que me mostrou ainda outras facetas da morte

Como viver, no Brasil, com o mercado da arte? É possível? Quais os desafios?

É possível, mas é complicado. No geral, não se existe caminho certo para seguir a carreira de artistas; é preciso descobrir o que funciona para você e para o que você cria. É necessário conhecer as engrenagens dos mercados, as diversas possibilidades dentro da profissão. Pode-se ganhar dinheiro de N formas com arte – venda de obras, financiamento de instituições públicas e privadas, criação de ilustrações, dentre tantas outras. Entretanto, acaba sendo mais difícil aqui do que em outros países porque o brasileiro comum, no geral, não tem tanto contato com a cultura quanto na Europa, por exemplo, e muito menos o hábito de comprar arte. Nas capitais e em alguns meios dos "muito ricos" compra-se, mas uma parte da elite não se interessa por cultura e não entende o valor de uma obra de arte. Na Europa, não é preciso ser muito rico para colecionar ou

comprar por investimento. É possível comprar obras que caibam no seu bolso - o que existe. Aqui no Brasil, é frustrante ver pessoas que teriam condições de comprar arte desvalorizando o trabalho do artista. É normal comprar um sofá de certo valor, mas uma obra do mesmo preço é vista como cara. Sendo que, o sofá, exceto se for uma peça assinada, fica velho e acaba indo para o lixo; a obra, ao contrário, geralmente valoriza. Inclusive, ouço muito “você é artista, legal, mas você trabalha com o quê?”

Quais os seus novos planos?

No campo da criação, gostaria de continuar aprendendo e explorando outras técnicas. A experimentação é minha palavra de ordem. Sobre o tema da morte em si, pretendo continuar ambas as séries, e criar outras pinturas e esculturas de caixões com asas de borboletas, caveiras e caixões coloridos. A ideia é no futuro realizar uma grande mostra com o fruto de todo esse trabalho. Já no ano que vem, pretendo expor esse primeiro caixão em uma galeria na Europa. Aqui, no Brasil, tem sido extremamente complicado encontrar um espaço que aceite expô-lo. Os galeristas temem, sobretudo, de que as pessoas tenham medo de entrar na galeria. Além de meu trabalho como artista, tenho me concentrado a fundo em dois outros projetos muito queridos. Um deles é o site Artrianon, que fundei para falar de arte e cultura. Nele, especialistas e amantes de diversas áreas da cultura do Brasil e da França contribuem com textos simples sobre temas complexos. A ideia é que a arte e a cultura sejam acessíveis a todos os públicos. As colunas Obra de Arte da Semana – minha e de mais dois escritores -, Cartas ao Artista e Obras Inquietas, com contos curtos inspirados em obras de arte são nossos carros chefe. O outro projeto, que está me deixando de cabelo em pé pela minha falta de experiência no ramo, é o meu recente canal no YouTube, o Art Insider – O mundo da arte por uma insider. Nele, eu tento explicar de maneira divertida e bem didática o meio da arte e esclarecer as maiores dúvidas do público, que não entende nada desse negócio de arte, sobretudo a contemporânea. A arte colocada de maneira realmente simples e divertida, condizente com a plataforma rápida e interativa que é o YouTube, ainda não havia acontecido em nenhum outro canal brasileiro. Apesar dos desafios, tem sido verdadeiramente apaixonante!

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