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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: ‘A Grande Jogada’ se perde nos meandros do pôquer


No começo de 2017, a atriz Jessica Chastain surpreendeu com o drama Armas na Mesa. Ainda que ela tenha uma carreira extremamente sólida e com poucas escolhas ruins, o filme sobre uma lobista norte-americana chamou a atenção com uma qualidade acima da média -- no Esquina, até mencionamos o longa-metragem nos melhores filmes de 2017. Assim, foi grande a expectativa com o novo A Grande Jogada, que coloca novamente Chastain na pele de uma personagem de índole questionável e envolvida nos meandros jurídicos dos EUA.

No centro da trama, Molly Bloom (Chastain). Patinadora, ela se acidenta numa competição e vai à Los Angeles para trabalhar como garçonete. Entre uma amizade e outra, Molly conhece um homem que comanda jogatinas de pôquer na noite americana. Aí começa o filme: Chastain ajuda na organização das partidas e, com a prática, passa a organizar seus próprios jogos e a operar uma espécie de cassino em casa. Anos depois, ela é processada pelo governo e contará com a ajuda de Charlie Jaffey (Idris Elba), um correto e excêntrico advogado.

A direção é do exímio roteirista Aaron Sorkin, que tem um talento nato para contar histórias de personagens curiosos que deixaram grandes legados -- como em A Rede Social, Steve Jobs e O Homem Que Mudou o Jogo. Infelizmente, porém, o acúmulo do cargo de diretor e roteirista em A Grande Jogada não foi saudável para Sorkin. Ainda que ele mostre domínio na história, baseada no relato da própria Molly Bloom da vida real, há problemas pontuais na forma que a história é conduzida, gerando cansaço na audiência e um desgaste natural da produção.

Primeiro erro foi colocar uma narração ininterrupta. Numa tentativa de emular um estilo de Martin Scorsese, como é visto em O Lobo de Wall Street, Sorkin faz com que Molly Bloom narre toda sua jornada. Cada detalhe na tela é explicado ou detalhado com a voz mansa de Chastain, que acaba por cair em algumas armadilhas do recurso -- como a narração de algo óbvio que está passando na tela. Assim, além da história ficar cansativa e repetitiva, todo o brilho da produção vai se perdendo aos poucos. No final, surge uma vontade incontrolável de tirar a narração.

Outro erro é o excesso de linhas temporais tratados por Sorkin: a infância dolorida de Molly, que sofre com um pai sem escrúpulos (Kevin Costner, subaproveitado); a vida como “dama do pôquer”, quando organiza as jogatinas em Los Angeles e Nova York; e, por fim, o difícil processo que Molly precisa enfrentar. São três histórias completamente diferentes e que, quando misturadas, atrapalham demais na absorvição geral da trama. E claro: uma delas é extremamente mal explorada -- neste caso, como já dei a dica, a infância difícil com o pai explorador.

O sentimento, ao longo do longa-metragem, é cansaço. Há, sim, algumas coisas positivas: a atuação de Chastain, que entrega uma Molly na medida; Idris Elba que encontrou o primeiro bom papel do ano após os fiascos Torre Negra e Depois Daquela Montanha; além de boas histórias de bastidores do mundo do pôquer, indicando que celebridades jogaram com Molly ao longo de sua carreira -- numa rápida procura na internet, é possível descobrir que Tobey Maguire e Leonardo DiCaprio estão dentre os famosos que deixaram alguns milhares de dólares para Molly.

Sorkin também não é só erros em sua estreia na direção. Além de fazer escolhas acertadas de elenco -- principalmente Michael Cera como Maguire --, ele sabe como contar a história de uma pessoa qualquer que construiu um império (ainda que não tão empolgante quanto Zuckerberg em A Rede Social) sobre um esporte não tão conhecido por aqui (ainda que, novamente, não seja tão empolgante quanto o que foi visto com o baseball em O Homem que Mudou o Jogo). Há acertos, há bons momentos e certa criatividade. Pena que os erros são maiores.

A Grande Jogada, então, está longe de ser uma versão de Armas na Mesa em 2018. É um filme mais frio, mais confuso e não tão charmoso. Faltou uma maior harmonia entre os dois trabalhos de Sorkin, que faz um estreia tímida na direção. Às vezes, nas mãos de um diretor mais experiente, o resultado poderia ter surpreendido e batido produções no Oscar, conquistando um espaço na premiação -- recebeu uma curiosa indicação em Roteiro Adaptado, mas deve perder pra Me Chame Pelo Seu Nome ou até Logan. Faltou fôlego para Melhor Atriz e Melhor Filme.

E se quiser um novo Armas na Mesa, espere por The Death and Life of John F. Donovan. É uma das minhas apostas de filme do ano.

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