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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Anatomia de uma Queda' não traz justificativas para Palma de Ouro


Outro dia, a cineasta Justine Triet fez uma declaração não muito polida, ainda que não tenha absolutamente nada de errado nisso, ao contestar a escolha da França para o Oscar 2024. "Correndo o risco de ganhar Melhor Filme Estrangeiro, a França não selecionou Anatomia de uma Queda", disse. "Em vez disso, decidiu selecionar um dos filmes mais chatos da seleção de Cannes". E qual a surpresa ao constatar que o filme de Triet também não tem nada demais.


Longa-metragem selecionado para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa já nesta quarta-feira, 18, Anatomia de uma Queda conta a história de uma mulher (Sandra Hüller) que é acusada de ter matado seu marido após ele ser encontrado morto na frente de casa -- inicialmente, imaginava-se que poderia ser uma queda. A partir daí, o longa-metragem francês se vale de boa parte de suas 2h30 para mostrar o desenrolar disso em um tribunal.


Ainda que longo, o filme quase nunca cansa. Triet sabe como dosar as diferentes fases de um julgamento (depoimentos de testemunhas, tensão familiar/social e estratégias de defesa) para que o longa-metragem nunca se torne excessivo. Não senti os 150 minutos passando. Quando pisquei, as coisas já estavam se encaminhando para o final. Isso mostra como a cineasta tem domínio sobre o que está contando e, acima de tudo, sabe manter o público instigado, curioso.

No entanto, apesar dessa demonstração de domínio de Triet, difícil dizer que Anatomia de uma Queda é um filme excepcional ou qualquer coisa que valha. O longa-metragem é, pura e simplesmente, um filme de tribunal, com todos seus maneirismos, saídas, tipos e ideias. Triet é talentosa e tem a sorte de ter uma atriz do naipe de Hüller (As Faces de Toni Erdmann) ao seu lado, mas o roteiro, de Triet e de Arthur Harari (Onoda), explora pouco as possibilidades.


Por exemplo: em determinado momento, em que está sendo feita uma reconstituição, o filme ganha um ar tragicômico, mostrando como é ridícula aquela situação toda. Naquele momento, até me ajeitei na cadeira -- será que teremos mais um filme que critica a hipocrisia da sociedade, como Radu Jude está fazendo tão bem? Mas não, isso fica pelo caminho. Depois, o filme discute a (re)criação da verdade, com duas cenas aventando possibilidades. Será que vai por esse caminho, de discutir quando uma verdade começa e outra termina? Também não.


Isso acontece algumas vezes na trajetória de Anatomia de uma Queda, até o momento em que o filme apenas abraça o drama de tribunal, com algumas pinceladas de sobre um amor que chegou ao fim (a queda, afinal, não precisa ser apenas a suspostamente literal). Fica o sentimento, no final das contas, de um longa-metragem que aspira ser complexo, mas que, no final, acaba se tornando apenas convencional. Não consigo compreender a escolha do júri pela Palma de Ouro. Fallen Leaves não era melhor? Asteroid City certamente é mais ousado.


E aí voltamos para a declaração de Triet sobre o Oscar. Ainda não assisti ao selecionado, que também está na Mostra, mas realmente parece ser um filme que não tem muito a dizer. Mas, olhando assim, apenas de longe, Anatomia de uma Queda também não traz muitas novidades. É um filme que, se fosse americano, não teria passado nem perto de Cannes -- seria considerado um John Grisham, sem muita validade. Entre nós? Só ganhou a Palma de Ouro por ser francês.

 

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