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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Cicatrizes' é filme poderoso sobre esperas e incertezas


Um dos filmes mais falados durante a 43ª Mostra Internacional de São Paulo, o longa-metragem sérvio Cicatrizes está finalmente vendo a luz do dia no circuito comercial brasileiro. Dirigido por Miroslav Terzic (Rua da Redenção), a produção consegue sintetizar o sentimento e a emoção conflitante de quem está sempre à espera, cercado de incertezas e sem saber para onde deve ir.


E no centro desse maremoto de emoções está Ana (Snezana Bogdanovic), uma mulher que sonho encontrar com seu filho desaparecido há 18 anos -- na época, o menino era apenas um recém-nascido declarado natimorto. E apesar da resistência de amigos, do marido (Marko Bacovic) e da filha (Jovana Stojiljkovic), a protagonista persiste em sua espera, dor e angústia.


Com uma direção lenta e contemplativa, com cenas longas e quase sempre estáticas, Terzic sabe como criar emoção na audiência. Mesmo com poucos diálogos vindos de sua protagonista, o cineasta emula os sentimentos com ângulos de filmagem, duração de cenas, olhares, gestos. O não dito é reproduzido de maneira fiel e poderosa em todas as pequenas coisas de Cicatrizes.


Tudo é evidenciado ainda mais com a poderosa atuação de Bogdanovic (Kuduz), que toma conta do longa-metragem. Sua forma de interagir com o exterior é intensa, e lembra toda a visceralidade vistas em filmes similares como o russo Sem Amor e até mesmo no americano Os Suspeitos. Ela, sozinha, consegue carregar a emoção de um filme todo. Não é pouca coisa.

Afinal, veja os casos de Sem Amor e Os Suspeitos. Há todo um aparato por parte de diretor, como um elenco de apoio de peso, e cenas que evocam desespero quase que instintivamente -- é o caso da cena do banheiro do filme de Villeneuve, por exemplo. Em Cicatrizes, enquanto isso, não há nada disso. É uma atriz, quase sempre fotografada sozinha, sendo a chave de cada cena.


O melhor de tudo, porém, é que Terzic não quer resolver conflitos, mistérios, sentimentos e angústias. Pelo contrário: ele quer expandir a discussão sobre os desaparecidos na Sérvia e dar um rumo para pensamentos -- mas, claro, sempre com liberdade de argumentação. Ele mostra a dor, mas sem resolvê-la. Isso acaba expandindo os sentimentos de quem assiste ao longa.


Dessa maneira, a espera acaba sendo a palavra de ordem. Muros, grades, paredes. Tudo isso serve para emoldurar a protagonista, que parece estar sempre presa em algo -- por vezes, Terzic não aguenta e acaba soltando metáforas e colocações óbvias, como o momento em que a filha diz que Ana está "sempre esperando por algo". É aí que o filme sai um pouco de seu tom.


No entanto, no geral, Cicatrizes é um filme poderoso e que consegue quebrar muros e barreiras -- ao contrário da protagonista -- e levar a emoção para o colo de quem está na sala de cinema. A dor é palpável, a espera é angustiante. Difícil não sentir, se emocionar e chorar. Apesar de uma derrapada aqui e acolá, Terzic fez um filme poderoso. Que demora pra sair da memória.

 
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