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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Coração de Cowboy' é conjunto de erros técnicos e narrativos


Por mais que seja um estilo imerso em preconceitos, o sertanejo moldou o Brasil. Afinal, enquanto o samba embalou o litoral, o gênero de Tonico & Tinoco, As Galvão e Chitãozinho & Xororó foi o que deu o tom da empreitada de desbravamento do interior do País. E é assim até hoje: ainda que outros estilos tenham surgido de influências internacionais e de fusão de elementos, o sertanejo é figura presente na grande maioria das cidades interioranas do Brasil -- e, nas últimas décadas, também nas metrópoles com o sertanejo universitário. É, enfim, um dos pilares culturais de um País tão diverso.

Não é surpresa, então, que a temática sertaneja apareça de vez em quando nas telonas. Na década de 1970, por exemplo, o astro Sérgio Reis estrelou algumas produções, como Mágoa de Boiadeiro e Menino da Porteira -- que depois ganhou remake com o cantor Daniel. Coração de Luto, enquanto isso, contou um pouco da história de Teixeirinha, e o emocionante Estrada da Vida deu ainda mais espaço para a dupla Tonico & Tinoco. E, claro, a biografia 2 Filhos de Francisco, sobre Zezé di Camargo e Luciano.

Agora, chega mais um longa-metragem para ressaltar o gênero musical: Coração de Cowboy. Dirigido por Gui Pereira, o filme acompanha a jornada de Lucca (Gabriel Sater), um cantor de sertanejo universitário que está insatisfeito com o rumo de sua carreira, tocada pela empresária Iolanda (Françoise Forton). Assim, ele decide voltar para a cidade natal para tentar reatar os laços com o pai Joaquim (Jackson Antunes), com quem não fala desde a morte do irmão, e com a amiga Marcelle (Thaís Pacholek). Além, claro, de conhecer algumas outras pessoas, como Paula (Thaila Ayala), dona de um bar.

A premissa do filme é muito interessante. Assim como Gui Pereira ressaltou na coletiva de imprensa, a volta às raízes é uma temática universal e que, apesar de aplicada no universo sertanejo, poderia servir de identificação para qualquer um do outro lado da tela. Além disso, por mais que tenha muito preconceito ao redor do sertanejo, é um estilo musical que deve -- e precisa -- ter seu espaço nas histórias do cinema brasileiro.

Só que tudo dessa ideia inicial é posto a perder. A começar pela técnica: ainda que Gui Pereira tenha muito boa vontade, não há experiência no que está sendo tocado e a orquestra final do longa-metragem acaba por ser demasiada desafinada. A edição, por exemplo, é desastrosa: os cortes são atrapalhados e encavalam o ritmo da narrativa, além de algumas sequências contarem com erros básicos, como falhas na continuidade.

A montagem geral também é atrapalhada. Por exemplo: há uma sequência deveras emocionante entre Lucca e o pai. Uma das poucas, em todo filme, que arrepia, de fato. E aí, logo em seguida, há uma cena de sexo, quebrando toda a emoção e clímax obtido com a sequência anterior. Ou ainda: a canção Evidências, que ultrapassa as barreiras do gênero musical, é colocada na íntegra, com Chitãozinho & Xororó arrepiando como sempre. Só que a cena embalada pela música tem um outro cantor ao fundo, entoando uma música indetectável. Uma não interfere sonoramente na outra, mas atrapalha.

O elenco é muito instável, ainda que esforçado. Gabriel Sater tenta se destacar no seu primeiro papel em longa-metragem, mas ainda é muito cru -- emociona, de fato, quando canta uma música à plena emoção. Não está muito bem, mas tem futuro. Thaila Ayala (Pica-Pau) e Thaís Pacholek (Apocalipse) estão extremamente artificiais e não convencem ou emocionam. O mesmo para François Forton (Tempo de Amar). Só Jackson Antunes (Mais Forte que o Mundo). Que grande ator. Emociona em toda cena.

Ainda que haja o esforço do elenco, o roteiro também não ajuda. As personagens de Ayala e Pacholek se anulam -- quando uma é importante, a outra se torna desnecessária. A trama envolvendo Lucca e o pai, que tinha uma força inacreditável, se perde no meio por conta de briguinhas de amor e uma subtrama envolvendo a personagem de Pacholek com o marido que não chega a lugar algum. É constrangedor. Outra coisa que causa vergonha é o tal bar da personagem de Thaila Ayala, que recebe nomes como Rionegro & Solimões com cinco pessoas na plateia. Sem falar de uma cena de briga, que só é mostrada da cintura para baixo dos atores e figurantes. Faltou filmar.

Coração de Cowboy é um filme com uma boa ideia e uma grande subtrama envolvendo Jackson Antunes. E só. O resto, infelizmente, é totalmente dispensável: história, Thaís Pacholek, Thaila Ayala, edição. Uma cena de vergonha alheia numa biblioteca. Diálogos sem propósito. Direção atrapalhada. Difícil entender como uma bomba dessa chega aos cinemas -- ainda mais em 180 salas. Tem muitos outros filmes nacionais por aí com qualidade muito superior e que não conseguiram nem metade dessa distribuição. Dá pena.

 

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