O Coringa, ao lado de Darth Vader, talvez seja o vilão mais icônico da cultura pop. Por isso, não é fácil levá-lo às telonas. Principalmente depois da atuação marcante de Heath Ledger, em Batman: O Cavaleiro das Trevas, que deixou uma marca ao redor do personagem. No entanto, o cineasta Todd Philips (Se Beber, Não Case) e o ator Joaquin Phoenix (Ela) resolveram assumir a responsabilidade com Coringa, longa-metragem que busca contar a história de origem desse personagem tão memorável e complexo.
A trama acompanha a vida de Arthur (Phoenix), um homem com problemas mentais que não consegue enxergar perspectiva em sua vida. Ele vive com a mãe, não é bem-sucedido no seu trabalho como palhaço e vive nas sombras -- parece, em certo ponto, que os ratos de Gotham City são mais importantes do que ele. Assim, humilhado e cansado, ele acaba sendo levado para uma outra perspectiva da vida. Se não dão atenção para ele com bom humor, será que irão prestar atenção por meio de violência?
É essa história de origem, e de transformação psicológica, que se propõe a contar Coringa. O filme se distancia das narrativas clássicas de super-herói e, assim como a trilogia de Batman dirigida por Christopher Nolan e Logan, faz uma leitura mais adulta, triste e cruel do que é ser alguém no universo insano dos quadrinhos. Afinal, por mais que Ledger tenha dado uma camada intensa de realidade ao personagem, ainda ficava a dúvida: como seria o surgimento do Coringa no mundo real? Como seria ele?
Philips, que se revela um grande diretor, não tem medo de ir fundo nessas questões. Fala abertamente de transtornos mentais, de violência, de oprimidos. Muitas pessoas, em festivais de cinema ao redor do mundo, ficaram desgostosas com a mistura desses três elementos. Mas não tinha como ser diferente. A história do Coringa, como é tratada no roteiro do próprio Philips e de Scott Silver (O Vencedor), não quer banhos de ácido, tatuagens no corpo todo e a pele pálida. Quer um homem louco em busca de si próprio.
A violência, por mais que seja explícita, é justificada. E Philips ainda é elegante ao privar o espectador de duas cenas em específico, que ficam apenas subentendidas ao público.
Mas Coringa, de fato, não seria nada sem Joaquin Phoenix. O ator, que já deu vida ao romântico de Ela, vive um personagem insano. Por mais que seja carismático, é visível a transformação que ocorre em sua vida e em sua mente. As coisas ao seu redor não fazem mais sentido. Até ele perceber que o fim não precisa ser um único momento, um ponto final. Ele faz do fim, seja da sua vida ou das pessoas ao redor, uma constante. E tudo isso, por mais complexo que seja, está nos gestos e olhares do ator protagonista.
Quase sem coadjuvantes, ele dá um show e toma os 122 minutos de projeção para si. Só Robert de Niro (do vindouro e esperado O Irlandês), Zazie Beetz (Deadpool 2) e Frances Conroy (American Horror Story) dividem a tela com Phoenix em momentos mais intensos -- principalmente de Niro, que dá um show no final. De resto, só figurantes.
Mas além da história, do diretor que sabe o que quer e da atuação estupenda de Phoenix, há estilo no que está sendo contado. Apesar de, em alguns momentos, glamourizar a revolução dos "oprimidos", o tom do filme é acertado. A música encaixa bem, o visual empolga. A edição também ajuda a contar a história de maneira mais alucinada. Uma cena no metrô, com a luz piscando, por exemplo, dá um tom sombrio e onírico bem interessante. Tudo isso ajuda a construir melhor a ambientação geral.
Tem três cenas -- bem pequenas, quase insignificantes -- que são problemáticas. Uma é didática demais, outra é clichê e uma última é solta no espaço, quebrando o clima da conclusão. Mas nem de longe chegam a atrapalhar o espetáculo que é armado na tela.
Assim, pode-se dizer que Coringa é um dos filmes do ano. É violento, é visceral, é verdadeiro, é alucinado. São vários os adjetivos que, num primeiro momento, soam como exagerados. Mas, no final, fazem sentido e causam uma explosão de sensações na sala de cinema. A torcida, agora, é que a DC tome esse filme como base para desenvolver seu universo, tão maltratado nos últimos tempos. Há uma deixa aqui. E, se for bem usada, poderá facilmente mudar de novo o que se conhece do cinema de heróis.
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