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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Crimes of the Future' reflete sobre "novos prazeres", mas sem profundidade


"Cirurgia é o novo sexo", sussurra Timlin, personagem de Kristen Stewart, em determinado momento de Crimes of the Future, longa-metragem que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 14. Dirigido e roteirizado por David Cronenberg, o filme se situa entre Videodrome e Crash: Estranhos Prazeres. Aqui, a mudança corporal é fichinha. O foco aqui, na verdade, são mudanças internas, dentro do corpo, criando novos órgãos e causando uma "evolução" quase artificial.


No centro das atenções estão Saul Tenser (Viggo Mortensen) e Caprice (Léa Seydoux). São artistas performáticos focados em "produzir" novos órgãos, tatuá-los ainda dentro do corpo das pessoas e, depois, retirá-los em exibições públicas. Mostra não apenas a capacidade desse homem sempre moribundo em conseguir produzir novos tecidos internos, mas também em como essa mulher consegue fazer mais modificações artificiais (tatuagens) perfeitamente.


Em paralelo à isso ainda há a trama de Dotrice (Scott Speedman), um homem que, após o assassinato de seu filho bem no comecinho da trama, começa a ir atrás de Saul. O motivo? Ele quer que o artista faça uma autópsia como obra de arte. Ainda temos o segmento dos agentes da lei (Stewart, Don McKellar, Welket Bungué) que trabalham em organizações que tentam controlar e registrar esses neo-órgãos. Ou seja: filme com várias subtramas do mesmo tema.


Com um estilo noir, com muitas sombras e esse personagem de Saul transitando nesse cenário, Crimes of the Future traz algumas reflexões boas. Ainda que não tenha novidade nisso, a busca do prazer pela dor é colocada em um cenário extremo aqui, com sequências gore e que devem fazer os estômagos mais sensíveis revirarem. É interessante mostrar essa dor e mutilação chegando em um estágio artístico nesse futuro distópico. Afinal, se dor é prazer, temos aqui apresentações profanas, talvez pornográficas? É um novo e interessante olhar do voyeurismo.

Além disso, mais pro final, Cronenberg mostra sua genialidade ao colocar o personagem de Saul em contraposição com uma situação extrema, de conflito com a natureza. Ele rejeita a alteração do ser humano em sua essência, em níveis mais profundos, apesar de ser uma pessoa que vive da alteração, da modificação. É um contrassenso, uma ironia poderosa que o diretor transforma em uma tragicomédia curiosa, até mesmo desconfortável. A última cena, então, é marcante.


Só que todo o resto do filme parece não acompanhar essa narrativa essencialmente genial do diretor. A começar pelas atuações: apesar do esforço de Mortensen (Capitão Fantástico, O Senhor dos Anéis) e de Léa Seydoux (Azul é a Cor Mais Quente), os outros atores estão absolutamente fora de tom. Stewart, falando com sussurros engasgados, está chatérrima. Scott Speedman (Anjos da Noite) demasiado artificial, enquanto Don McKellar não acha seu espaço.


Outro ponto é que, apesar da boa ideia de Cronenberg, o desenvolvimento do filme não acompanha o ritmo. Ele fica aquém, não aprofunda as reflexões e, com isso, começa a surgir um ou outro momento de comédia involuntária. Ainda que haja muito de tragicomédia intencional, há escapes narrativos, coisas que deveriam chocar e causam riso. É um tanto quanto desconfortável, mas não no âmbito que o diretor queria, mas sim como a experiência coletiva.


Enfim: Crimes of the Future traz reflexões sobre uma sociedade que precisa chocar (assim como Vidrodrome) com mutilações corporais (tal qual Crash), mas agora com mudanças ainda mais profundas, atingindo a essência do que é ser humano. Aqui, a máquina ganha forma de orgânico, o metal existe apenas no fio do bisturi. Afinal, o que as pessoas querem não é a substituição da carne, mas a sua (nova) criação. Uma ideia potente, desperdiçada em um filme apenas mediano.

 

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