"Através de filmes, pode-se evangelizar milhões de pessoas. Temos que converter o cinema. Quando acharmos a direção certa, vai parar de fazer o mal". Esta frase, infelizmente, não é uma colocação no começo do século XX, feita por líderes fascistas que subiam ao poder. Nem é diálogo de um filme distópico sobre sociedades doentes. Ela, por mais bizarro que possa parecer, está no filme-panfleto Duas Coroas.
Uma das estreias desta quinta-feira, 28, o longa-metragem tenta contar a história de Maximiliano Kolbe (Adam Woronowicz), um sacerdote polonês da década de 1940 que decide dar a sua vida para salvar um pai de família que mal conhecia. A partir disso, sua figura trilha uma imagem santificada dentre os católicos de todo o mundo. Até atingir o ápice da religião, ao ser declarado santo, décadas depois, pelo Papa João Paulo II.
E, para contar essa história, o filme se vale de dois formatos: documentário, por meio de depoimentos de religiosos; e ficção, para preencher as lacunas narrativas da trama.
Dirigido por Michal Kondrat, Duas Coroas está longe -- beeeem longe -- de ser cinema. Para falar a verdade, está mais próximo de obras panfletárias que são produzidas por, para e sobre pessoas de uma mesma crença. Aqui, no caso, pessoas que acreditam na santidade de Kolbe e nos feitos que ele realizou. Não há questionamentos, não há reflexões. Tudo gira em torno da santidade do polonês e na certeza de suas opiniões.
Por isso, a frase que abre este texto é tão desconcertante. Dita pelo próprio diretor, que se dirige à tela nos momentos documentais do longa-metragem, ela parece evocar uma certeza e que é levada à risca por Kondrat. Se Maximiliano Kolbe não estava satisfeito com o cinema, Kondrat trata de edificá-lo. Os temas nocivos somem. E Duas Coroas se torna uma obra chata, pedante e panfletária sobre o que é fazer cinema santificado.
Os entrevistados são pessoas que concordam com tudo vivido por Kolbe -- o patriotismo, a visão de que o cinema era um mal e por aí vai. A ficção, enquanto isso, trata de validar os depoimentos e dar força para que o espectador veja aquilo tudo como uma caminhada santificada. Demonização do cinema? Ora, foi o Kolbe que disse. E olha como ele era um homem bom! Patriotismo? Kolbe era um patriota. E ainda virou santo!
Ou seja: mais do que ser um longa-metragem para contar a história de alguém, Duas Coroas trata de tentar converter os que não enxergam a religião como o único caminho para a salvação. Por isso, é um filme mais perigoso do que, por exemplo, Nada a Perder -- que busca santificar Edir Macedo. Aqui, a história do santo é apenas o fio condutor para se atingir propriedades conservadoras e nocivas à sociedade no geral.
Além disso, quem for buscar alguma qualidade nas atuações, vai se frustrar. A parte ficcional é um desastre: atores pouco interessados em seus papéis, roteiro tosco. Nada é natural, tudo é forçado. A sensação é de que o filme tenta provocar lavagem cerebral. O aspecto educativo, que poderia surgir aqui e ali, como no recente Sefarad, é ignorado. Não há uma busca por algo positivo. Duas Coroas quer apenas converter. E nada mais.
No final, fica apenas a sensação de nojo, asco, desprezo. Por mais que Kolbe fosse, de fato, alguém especial e santificado, não dá para relevar coisas que falou. Pior: não é possível reproduzir essas coisas como certezas. A sociedade evoluiu e até mesmo o catolicismo evoluiu -- quase na marra, com a renúncia de Bento XVI e a eleição de Papa Francisco. Duas Coroas, enquanto isso, está parado num período triste e sombrio.
Colocá-lo nos cinemas agora, com tantas coisas ruins e perigosas acontecendo no Brasil, é um perigo e uma insanidade. Este filme ajuda pessoas conservadoras e perigosas a encontrarem argumentos falaciosos para atacar o cinema, oposição e coisas do tipo. Um filme como este merece boicote, ignorância e, acima de tudo, a reflexão. Só não leva uma nota menor, aqui no Esquina, pois não há. Merece um 0.
O documentário conta a história da vida de um homem que durante a invasão da Polônia pelos nazistas ajudou e abrigou vítimas da perseguição política, inclusive judeus poloneses; homem que sempre demonstrou não só respeito, mas sobretudo uma profunda caridade e amor para com o próximo, fosse ele da religião e origem que fosse. Homem que no campo do ódio, do egoísmo e da morte, foi capaz de fazer brilhar a chama da caridade, oferecendo a própria vida por quem ele sequer conhecia. Homem que teve a coragem e grandeza de enfrentar uma morte horrível por compaixão e caridade pelo próximo. E tudo que essa crítica ordinária e patética é capaz de extrair do filme é usar uma frase isolada…