É regra básica do cinema: quando um roteiro tenta questionar modelos vigentes por meio de novas elaborações sociais, existem duas opções de caminhos a percorrer. A primeira é a distopia, na qual o roteirista cria uma sociedade totalmente desligada da que vivemos hoje, muitos anos à frente e sem nenhum vínculo real com a que existe. A outra opção é mostrar uma evolução social que siga um caminho diferente do que vivemos hoje, criando um futuro singular e inquieto.
Na primeira opção, temos casos marcantes. Na literatura, por exemplo, George Orwell criou um mundo onde todos são vigiados com o romance 1984. Algo parecido tinha sido feito uns anos antes pelo também escritor Aldous Huxley com Admirável Mundo Novo. Para usar um exemplo mais lustroso e recente, tem as franquias teens de distopias, como a saga Jogos Vorazes, com Jennifer Lawrence, e o fiasco Divergente -- além de dezenas de outras que nem valem o registro.
Já a segunda opção conta com exemplos mais escassos. Afinal, é muito mais difícil fazer a nossa sociedade se transformar em uma massa amorfa sem moral, ética e que tenha seus costumes deturpados. Um caso recente aconteceu na TV com a série The Handmaid’s Tale, inspirada num ótimo livro de Margaret Atwood. De um jeito mais “simples”, mas ainda com a mesma técnica, se valeu os filmes Uma Noite de Crime, que mostra o mundo vivendo com um dia sem leis.
E por qual motivo falei disso tudo? Simples: Esta é A Sua Morte, que chega aos cinemas na quinta-feira, 21, esquece de todos esses atributos e cria uma trama sem pé, nem cabeça. No centro da história, Adam Rogers, um apresentador de TV que sofre um acidente em um set de gravação e que, depois disso, começa a gravar um programa que mostra as pessoas cometendo suicídio ao vivo. Alguns estouram a cabeça, outros se eletrocutam na água ou se matam com uma flecha na cabeça.
Dirigido por Giancarlo Esposito, que ficou conhecido por atuar na série Breaking Bad, Esta é A Sua Morte usa esta história, é claro, para criticar o sensacionalismo na TV. Não há uso de alegorias, de metáforas. Não há delicadeza na crítica. Esposito mostra toda sua ferocidade por meio de violência gráfica sem censura, sem medo de chocar e fazer o sangue espirrar da tela da TV. Pessoas explodem enquanto a plateia que acompanha a gravação aplaude e dá vivas.
O filme tenta não ficar só nessa violência gráfica -- apesar de ser o que mais aparece na tela. Há a história de vida de Adam Rogers (o mediano Josh Duhamel), apresentador do programa que precisa lidar com sua imagem no show business ao mesmo tempo que precisa tratar da irmã viciada em drogas. Há também o personagem de Esposito, que leva uma vida difícil, com dois empregos, mas que começa a vislumbrar o programa de Rogers como uma saída.
O primeiro grande problema é a motivação por trás de tudo. O programa é criado após um acidente nos bastidores da TV e, do nada, a produtora Ilana Katz (a sempre péssima Famke Jamssen) tem a ideia do programa de suicídio. Rogers, que estava abalado com o acidente, diz que só aceita participar se for considerado o lado humanos das pessoas. Para isso, ele resolve dar prêmios em dinheiro para quem se matar no ar. E aí você já se pergunta: o que está acontecendo?
Ninguém julga o programa, ninguém tenta parar. A primeira participante se mata após jogar um rádio numa banheira e as pessoas aplaudem. Hoje, é claro, vivemos tempos sombrios, onde parece razoável construir um muro para separar países e onde pessoas se matam por conta de sexualidade. São absurdos. Mas pera lá: quem deixaria um programa ir ao ar com pessoas se matando? Se isso ocorresse hoje, ficaria tudo bem? Não há verossimilhança com o que acontece. Você não se sente pertencente àquele grupo, logo a crítica à TV não causa efeito.
O outro grande erro é o abuso de violência gráfica -- não é à toa que o filme é para maiores de 18 anos -- e da apatia das pessoas acerca do programa. A história de vida das personagens de Duhamel e Esposito não causam emoção nenhuma, mesmo com as reviravoltas finais que o roteiro tenta emplacar. Nada faz sentido, nenhuma decisão é coerente. A crítica sobre o sensacionalismo se perde em meio a sangue e uma história exagerada. Você não pensa como a TV pode chegar neste ponto, mas como o cinema pode ser tão ruim e incoerente em alguns momentos.
É apenas o espetáculo do horror, do grotesco, e que tenta usar uma espécie de crítica ao sensacionalismo da TV para criar uma história sem sentido algum. No final, fica só o enjoo do banho de sangue visto continuamente e uma certeza: poupe seu ingresso e vá ver Mãe!, novo filme de Aronofsky. Este, sim, mostra como criticar um sistema falido sem cair no absurdo.
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