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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Afire' acerta ao falar sobre o processo criativo do artista


Leon (Thomas Schubert) é um escritor que está chegando em uma casa afastada, no interior da Alemanha, ao lado do amigo Felix (Langston Uibel). O objetivo é claro: usar os dias de sossego, em um período quente e seco, para focar em finalizar seu livro. No entanto, parece que o mundo grita ao seu redor para que ele não se concentre: as florestas estão sofrendo com as queimadas, o amigo não para quieto e ainda tem Nadja (Paula Beer), visitante na casa e que o instiga.


Esse é o contexto inicial de Afire, longa-metragem que está em exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e que chega em breve aos cinemas brasileiros. Christian Petzold, um dos diretores mais assertivos em atividade, começa a história de um jeito atípico -- com um humor. Leon simplesmente não consegue se concentrar. Quer olhar para dentro de si, mas falha miseravelmente. O mundo o chama, aos gritos, para que vá viver, vá ver o que está acontecendo.


Schubert é uma boa surpresa nesse primeiro cenário. Ele traz um olhar de cansaço do mundo que dá esse tom cômico ao filme, fazendo com que o público ria genuinamente em situações geralmente embaraçosas. Por meio do riso, Petzold mostra como o personagem está perdido em seus próprios sentimentos, ideias e, sobretudo, sobre a forma que encara a arte no mundo.


Afinal, em última instância, Afire é um filme justamente sobre isso: uma declaração, um comentário do cineasta alemão sobre o que é a arte. A partir dessa dinâmica inesperada do trio na casa de veraneio (com o acréscimo de outros dois personagens que surgem mais pra frente na narrativa), vamos entendendo melhor como é o processo de escrita criativa desse personagem e, acima de tudo, os problemas que residem nessas ideias e como Petzold vê isso.

Para o cineasta alemão, o escritor deve se alimentar do mundo. Do que acontece ao redor, do que chega até ele e do que ele consegue alcançar. Aquele que não faz isso, que se fecha exageradamente dentro de si, acaba produzindo apenas mediocridade -- o mundo é que se alimenta dele. O diretor não tem medo de carimbar esse sentimento o tempo todo e em uma evidente crescente: começa de maneira discreta, com as piadas, e no fim parte pra tragédia.


O tempo todo Petzold invoca, também, elementos de equilíbrio: o mar, que fica ao alcance dos amigos apenas com uma curta caminhada, e o fogo, que está devastando as florestas da região e se aproximando; entra também na conta a dinâmica dos amigos Leon e Félix, um gay e outro hétero, um querendo viver a boa vida dessa casa de veraneio e outro querendo apenas trabalhar.


É evidente o cuidado de Petzold em desmontar cada uma das impressões e sinais que surgem no início da película. Aquele clima de veraneio, de filme de férias? É desmontado. A aparente amizade sem abalos dos dois, que parecem amigos de infância sem entreveiros? Também passa por um processo de desconstrução. A paixão que surge, do nada, entre Leon e Nadja também faz parte desse comentário: é algo que deve ser sentido, nunca escondido. Tudo aqui está aflorando.


Note, também, como Petzold traz significados duplos para vários acontecimentos dentro da narrativa: o barulho de sexo no quarto ao lado, os javalis gritando, a presença do salva-vidas.


Tudo aqui é ressignificado o tempo todo. E não é à toa: Petzold faz um filme em que nos convida a olhar mais de perto. A fotografia não trabalha para colocar a visão de Leon em perspectiva à toa: ele quer mostrar como as coisas são vistas de uma forma e, depois, de outra. O cineasta está, aqui, mostrando como as pessoas -- principalmente os criadores -- precisam estar mais de olho no mundo ao redor e menos no pessoal, no íntimo. Isso, para ele, é a chave do sucesso.

 

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