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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: ‘Handia’, na Netflix, é belo drama com pitadas de fábula histórica


Na última edição do Goya, conhecido como o Oscar do cinema espanhol, a injustiça rolou solta. Afinal, o prêmio máximo da noite caiu nas mãos da diretora espanhola Isabel Coixet por conta do longa A Livraria -- faturou Melhor Filme, Direção e Roteiro Adaptado. E além do filme ser absolutamente mediano, ele é todo britânico: com exceção da cineasta, toda a produção vem da terra da Rainha. Pois é. No final, o perdedor dessa equação é Handia, filme que chegou à Netflix na última semana e que mostra um requinte raro em produções do gênero.

Handia -- que pode ser traduzido como Gigante, caso ganhe título nacional -- acompanha a história de uma família basca pouco convencional. O filho mais velho de um casal de pobres agricultores é Martin (Joseba Usabiaga), um rapaz de poucas palavras e que é escolhido pra ir à Guerra Civil que assola a Espanha. Durante o conflito, ele sofre um golpe e acaba por perder os movimentos da mão direita. Ele volta para casa, então, e enfrenta uma grande surpresa: o seu irmão Joaquin (Eneko Sagardoy) sofre de gigantismo e já passa dos 2,2 metros de altura.

A partir daí, vemos a história dessa família basca pouco convencional se desenrolar de uma forma surpreendente: Martin não consegue emprego e vê Joaquin como forma de sustento. Assim, ele pega o irmão e começa a circular pela Europa tratando-o como uma aberração -- afinal, no século XIX, quando a história se passa, há pouca informação sobre a doença e muito misticismo ao redor. Nessa “turnê”, eles acabam se apresentando em Paris, Lisboa, Inglaterra e até para personalidades famosas da época, como a rainha Victoria do Reino Unido.

Para contar essa trama, inspirada em uma história real, vemos os diretores Aitor Arregi (de Lúcio: O Anarquista) e Jon Garaño (do ótimo Loreak) no ápice da apuração técnica e visual. Com ares de filmes de Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno e A Forma da Água), eles criam uma fábula espanhola com toques de monstruosidade. É uma trama que fica no limite entre o real e o onírico, mas que é trabalhada de maneira elegante e sutil pela dupla, que também está por trás do roteiro. É imaginativamente poético em alguns momentos e tristemente real em outros.

Outro acerto que eleva o nível do filme é o respeito às culturas. Por se tratar de uma história basca, grande parte da trama é dita na língua dessa região da Espanha. Mas o melhor é que quando os irmãos viajam, há respeito com relação às outras culturas: em Madrid, só se ouve espanhol; em Lisboa, só português; e por aí vai. É um elemento simples, que pode passar despercebido por grande parte do público, mas que mostra o cuidado que a direção teve em retratar a história da melhor maneira possível. Hollywood, nesse ponto, precisa ver e aprender.

O elenco está afinadíssimo. Joseba Usabiaga, o Martin, é como se fosse a consciência da história e se dá bem como um tipo mais calado, tímido e introspectivo. Funciona bem na tela e dá espaço para Eneko Sagardoy brilhar. Ele, que tem 1,84 na vida real, consegue dar as camadas necessárias para seu personagem, que vai se descortinando na frente do público e surpreende a cada novo capítulo -- forma que o filme divide sua narrativa. Está muito bem. Sem dúvidas, mereceu o prêmio de Melhor Ator Revelação do Goya e merece estrelar mais longas.

O filme só perde alguns pontos em meados da história, quando o roteiro cai em algumas facilidades e perde um pouco o vigor. Arregi e Garaño podiam ter tirado quinze minutos da trama que daria mais vitalidade e dinamicidade. Faltou experiência para a dupla espanhola, que está começando a se encontrar como cineastas. Além disso, alguns acontecimentos na tela são mal explicados e acabam acontecendo de maneira repentina, mas não tendo efeito de uma boa surpresa.

Ainda assim, Handia é um filmaço -- e que filmaço! No Goya deste ano, merecia muito mais prêmios do que Verão 1993, que é apenas formulaico, e muito, muito mais prêmios do que A Livraria. É inconcebível que o Goya, antes um prêmio tão interessante e corajoso, esteja se rendendo à universalização do cinema. Às vezes, para ser interessante, é melhor olhar pra dentro e se redescobrir. Desse jeito, o Goya só está passando vergonha e perdendo a chance de brilhar.

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