Geralmente, as cinebiografias brasileiras apostam em algo duvidoso: contar a história de uma vida inteira em duas horas. Foi assim com Tim Maia, Erasmo Carlos, Simonal e assim por diante. Agora, finalmente, chega um refresco nesse subgênero que ajuda a mostrar como menos é mais. É Hebe, cinebiografia sobre a apresentadora que teve uma trajetória intensa e admirável, se cruzando com a própria história da televisão no País.
Dirigido por Maurício Farias (Vai que dá Certo) e roteirizado por Carolina Kotscho (2 Filhos de Francisco), o longa-metragem pega um trecho da vida da apresentadora, na década de 1980. O Brasil está passando pelo processo de redemocratização. Enquanto isso, Hebe (Andréa Beltrão) passa por momentos turbulentos: o marido (Marco Ricca) tem ataques de ciúmes, o filho está descobrindo a vida e a TV Band está em crise.
Assim, a partir desse recorte, descobre-se muito sobre Hebe. Mais do que se Kotscho tivesse socado a vida inteira da apresentadora em duas horas de projeção, as atitudes e as falas de Hebe revelam muito mais do que uma exposição qualquer. A apresentadora, aliás, não poderia se encaixar num filme quadrado, banal, convencional. Ela estava à frente do seu tempo e sua história, sem dúvidas, não poderia ser resumida num filme.
Dessa maneira, o filme ganha em importância. Atitudes e diálogos travados por Hebe com pessoas ao seu redor dizem mais do que aparentam. Afinal, não é só algo banal, do momento. Kotscho e Farias trabalham para que as coisas tenham sentidos que vão além de uma primeira compreensão. É interessante notar as rápidas pinceladas sobre a infância de Hebe, a relação com as amigas e com a bebida. Tudo ali, nas entrelinhas.
Esses aspectos são potencializados ainda mais por conta da atuação de Beltrão (Sueño Florianópolis), que ativa a memória afetiva de qualquer pessoa que esteja assistindo o longa-metragem e tenha acompanhado a trajetória da apresentadora. Ela, afinal, lembra muito dos trejeitos da atriz, mas sem nunca imitá-la. Marco Ricca (Rasga Coração) está com um pé mais forte na comédia do que o necessário, mas não chega a atrapalhar.
Mas quem rouba a cena, curiosamente, são as participações especiais. Otávio Augusto como Chacrinha, Daniel Boaventura como Silvio Santos, Stella Miranda como Dercy Gonçalves, Cláudia Missura como Nair Bello, Karine Teles como Lolita Rodrigues e, principalmente, Felipe Rocha como Roberto Carlos acertam no tom. Não exageram, não imitam. Fazem homenagens que ajudam a criar a ambientação correta para o longa.
Vale destacar, também, uma pergunta que fica martelando ao longo da projeção: o que Hebe acharia do Brasil de hoje? A apresentadora, afinal, dava espaço para minorias numa época em que o obscurantismo reinava -- bem parecido com hoje, aliás. O que ela estaria achando desse Brasil retrógrado, conservador, homofóbico? É algo que impulsiona o longa e, curiosamente, faz com que a história soe extremamente atual.
E, no fim das contas, era isso que Hebe merecia. Um filme que não fosse quadrado em formato e que, de alguma maneira, evocasse as emoções que ela sempre trouxe pela televisão. Há erros aqui e ali, como uma duração exagerada e algumas atitudes não bem explicadas pelo recorte específico. Mas nada que atrapalhe a apreciação da jornada dessa estrela brasileira. Hebe merecia um grande filme. E ganhou um. Viva a Hebe!
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