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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: Jards Macalé joga toda sua essência musical em 'Besta Fera'


A faixa de abertura Vampiro de Copacabana já prepara o ouvinte para o que vem pela frente no disco Besta Fera, nova aposta do músico, cantor e instrumentista Jards Macalé. Soturna, a música não poupa na hora de trazer versos pesados, densos e uma musicalidade experimental -- como é de feitio do cantor, um dos "malditos" dos anos 60. Experimentalismo, aliás, é o que não falta no disco. Ao mesmo passo que traz canções mais agressivas, de versos fortes, o disco também afaga com poesias líricas e sonoras como Obstáculos e Meu Amor Meu Cansaço. Uma grande miscelânea, como tinha de ser.

Besta Fera é o primeiro álbum de inéditas de Macalé desde o bom O Que Faço É Música, de 1998, que deixou um gosto de "quero mais" no ouvido de fãs e músicos, principalmente pela já clássica Vapor Barato. Esse regime de 20 anos, porém, parece ter sido imensamente proveitoso para Jards, que conseguiu desfilar várias músicas de potencial sucesso dentre as doze faixas inéditas. Ainda que a já citada Vampiro de Copacabana seja a cara de Jards e funcione como apresentação do CD, o primeiro bom acerto vem com a faixa-título, uma espécie de samba que reflete sobre o próprio Jards.

"Eu sou aquele que os passados anos / Cantando a minha lira maldizente", diz a letra.

Mas é Buraco da Consolação a primeira a causar real impacto. Cantada em parceria com Tim Bernardes, e com forte influência de Kiko Dinucci (Metá Metá), um dos produtores do disco, a música traz uma poesia "pra baixo", pessimista, embalada por metais quase que sessentistas. Bernardes, enquanto isso, faz bom contraste com a voz de Macalé. O rapaz, integrante da banda O Terno, tem uma vocalidade mais alta, agressiva, enquanto o "maldito" amacia, quase sussurra. Essa música tem potencial de levar Jards para mais gerações, passeando em diversos grupos musicais. É, aparentemente, o grande acerto.

Outra boa parceria vem em Peixes, onde Macalé canta com a sensacional Juçara Marçal. A voz dos dois se complementam, conversam no passeio da música. A letra, claro, é outro acerto e mostra a inventividade genial do "maldito". Só a parceria com Rômulo Fróes, na boa Longo Caminho do Sol, que é um pouco apagada. Bom samba, com batida e cuíca marcando, mas que não parece chegar no seu ápice total e completo. Uma pena.

Em Trevas, enquanto isso, Macalé mostra como sempre traz assuntos importantes sobre o mundo ao redor. Fala sobre político, de maneira tão pessimista quanto em Buraco da Consolação. Só que aqui, a melodia é mais agressiva, mais forte, deixando a marca forte da forte tristeza que emana dos versos. "Sol rumo ao sono/ Sombras sobre o oceano/ Cidades cobertas de névoa espessa/ Jamais devassada/ Por brilho de sol".

Em Limite e Obstáculos, enquanto isso, Jards se contrai, se prende na música, e traz um resultado forte, intimista e, em certa feita, até intimidador. Limite, aliás, é a música ideal para preparar terreno para a derradeira Valor. Assim como fez em Vampiro de Copacabana, Jards pega o ouvinte pelo colarinho e mostra como ele é um músico experimental de mão cheia e o prepara para o que vem por aí. Valor não tem potência de hit, nem deve se tornar histórica na discografia do cantor. Será a música esquecida, que surge vez ou outra, e mostra o poder vocal quando só é acompanhado de violão.

E ainda manda recado: "quero que saibam o valor de minhas canções, boas ou más pouco me importam".

Besta Fera, inicialmente, parece um disco confuso, estranho e que usa o termo "experimentalismo" para justificar sua desordem. Mas não é nada disso. É um CD que representa Jards, que traz sua essência, e amplifica sua voz para outros ouvintes, outras gerações, outro players. Estava fazendo falta as suas músicas num cenário tão caótico no Brasil. E ele, com sua força e agressividade, assim como Elza Soares e Maria Alcina fizeram recentemente, lembra que existem forças musicais brasileiras por aí ainda. É só esperar e ouvir.

 
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