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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Midsommar' é fábula escandinava poética e aterrorizante


Muitos podem ir ao cinema esperando encontrar, em Midsommar, cenas aterrorizantes, repletas de um terror gráfico e visual -- algo como visto no ato final de Hereditário, trabalho anterior do cineasta Ari Aster. Mas não é nada disso. Contrariando o péssimo e inoportuno subtítulo em português, O Mal Não Espera a Noite, o longa-metragem é uma fábula que mistura elementos vikings e escandinavos para falar sobre medos reais, como luto, relacionamentos e fins de ciclo. O medo é real. Mas não como o esperado.

A trama conta a história de Dani (Florence Pugh) e Christian (Jack Reynor), um casal que decide participar de um festival na Suécia que celebra o início do solstício de verão. A época do ano ainda guarda uma particularidade interessante de quase não escurecer. É por isso, aliás, que os trailer e cartazes são tão claros. Ao contrário da maioria dos filmes de horror, a escuridão é relegada para apenas alguns momentos. A maioria das cenas aterrorizantes se concentra na claridade desse período do ano, tão perturbador.

Junto de Dani e Christian, ainda há o folgado Mark (Will Poulter), o estudioso Josh (William Jackson Harper) e Pelle (Vilhelm Blomgren), o sueco que os leva para o festival.

Há mais detalhes da trama, que podem ser encontrados no trailer e na sinopse oficial, mas que não é oportuno de contar aqui. A experiência fica mais interessante conforme o espectador for descobrindo particularidades da história. Saber tudo antes não é bom.

Há ecos, aqui, do trabalho anterior de Aster. Rituais, mitologia e mundo espiritual se reencontram no roteiro do cineasta, mas de maneiras diferentes e eficientes. Novamente, a mise-en-cène é particularmente saborosa. O diretor sabe como orquestrar o figurino peculiar, a trilha sonora de violinos desafinados e a fotografia clara e sem perturbações pra transitar entre gêneros. Por mais que seja longo, com 2h27 de duração, quase não dá pra sentir. Aster sabe como contar uma interessante história.

Além disso, o cineasta/roteirista volta a trabalhar com problemas emocionais e psicológicos. Enquanto Hereditário serviu como palco para o espetáculo atormentado de Toni Collette, Midsommar serve como espaço para que a sensacional Florence Pugh (do igualmente memorável Lady Macbeth) expurgue seus fantasmas. A personagem da atriz britânica passa por uma fase complicada e é nesse festival na Suécia, numa pequena comunidade interiorana, que ela passa a confrontá-los. É forte, emocional, visceral.

O resto do elenco também está bem, com destaque para Jack Reynor (Detroit em Rebelião), que está num papel bem diferente do que estamos habituados a ver na tela; e Vilhelm Blomgren, que dá um tom de bizarrice e suspense desde a primeira cena.

Mas apesar desses bons pontos, o que chama a atenção, novamente, é a simbologia que Aster constrói ao redor do longa-metragem. Aqui, como dito, ele se vale de fábulas escandinavas para falar sobre dramas e horrores demasiadamente humanos. Tudo, cada cena, possui um significado místico, ritualístico. O diretor se afasta dos demônios para encontrar no fantástico e no irreal o conforto de suas dores, seus medos e aflições. Num primeiro momento, não é fácil de compreender tudo. Mas, aos poucos, se revelam.

Muitas coisas, porém, são difíceis de compreender sem uma pesquisa mais apurada. Ou, então, fazem sentido apenas para os suecos. Isso é algo complicado, que acaba colocando uma barreira entre o grande público e o filme -- eu mesmo, particularmente, saí do cinema sem entender quase nada; e, até agora, muita coisa ainda é obscura para mim. Em Hereditário, Aster foi um pouco mais claro em suas elucubrações e significados. Aqui, há uma aura de mistério que transita entre o bom e o mau. Uma pena.

No entanto, vale ressaltar, Midsommar continua sendo um filme poderoso, instigante, repleto de boas simbologias. Em algumas coisas lembra Hereditário, em outras chega a ter ecos de Corra! e Nós. Alguns momentos são prepotentes, outros são sombrios demais em seus significados. Mas, no geral, o longa-metragem é aquilo que se esperava de Ari Aster em seu segundo trabalho. Ele começa a tomar forma mais adequada e, ao contrário de outras estrelas em ascensão, mantém a qualidade de seu cinema autoral.

Que mais peças aterrorizantes como essa, que misturam medos reais com sombrios rituais, continuem a povoar a imaginação, o horror, o cinema. Isso instiga, faz pensar e tira o público de uma caixinha confortável. Midsommar é tudo isso. Filmão de 2019.

 

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