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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Noite Passada em Soho' é filme que não se decide com final desastroso


Tem uma expressão, que surgiu como um sussurro há alguns anos, mas tomou a força necessária de uns tempos pra cá: lugar de fala. É o termo usado para caracterizar aquelas situações, acontecimentos e experiências que apenas determinados tipos de público podem falar com propriedade -- já que apenas esses públicos vivenciaram o que é aquilo. É o caso do abuso sexual e psicológico cometido por homens contra mulheres ao longo dos tempos.


Oras, só as mulheres podem dizer o que é sofrer com isso e como é, de fato, passar por uma experiência dessa. Certo? O motivo de estar fazendo todo esse preâmbulo é simples: Noite Passada em Soho é um filme dirigido por um homem e que, apesar de ter um roteiro assinado também por uma mulher, não escapa da sina. Edgar Wright é um grande cineasta, mas não chega perto de entender a complexidade de tudo que tinha em mãos neste longa-metragem.


Noite Passada em Soho conta a história de Eloise (Thomasin McKenzie), uma jovem aspirante a estilista que decide deixar o interior britânico para estudar moda em Londres. No entanto, a experiência da jovem começa mal: logo de cara passa por uma situação abusiva no táxi e, quando chega na república em que vai morar, começam os atritos com a colega Jocasta (Synnove Karlsen). Ellie, como prefere ser chamada, não se encaixa, não se vê como parte.


A coisa desanda de vez, porém, quando a jovem protagonista se muda para uma pensão, em busca de paz, e começa a ter visões com Sandie (Anya Taylor-Joy), uma jovem nos anos 1960 que, assim como Ellie, está tentando a sorte em Londres. Só que ela como cantora, principalmente nas boates. Jack (Matt Smith) entra nessa equação quando a personagem do passado passa a se relacionar com ele. Entram aí os momentos abusivos que citei lá no início.

Vendido como um suspense no material de divulgação, Noite Passada em Soho tem algo que Wright sabe fazer muito bem: criar o clima. Com apenas 20 ou 30 minutos de projeção, o longa-metragem já consegue deixar o espectador entregue ao que está sendo contado, imerso nesse universo brilhante. Além disso, o roteiro assinado pelo diretor e por Krysty Wilson-Cairns (1917) acerta ao desmontar a nostalgia que temos, pensando que épocas passadas eram melhores.


No entanto, a coisa começa a se complicar quando Noite Passada em Soho passa a se arriscar nesse thriller com ares de Repulsa ao Sexo, falando sobre abuso contra mulheres. Wright parece perdido com a história, sem saber exatamente como se aprofundar em um tema tão delicado. Ele traz alguns símbolos interessantes, como os homens sem rosto, mas não passa disso. Fica muito no mundo das ideias, nas pretensões. Mas histórias paralelas acabam diminuindo o filme.


Tudo bem que Anya Taylor-Joy (A Bruxa) e Matt Smith (Doctor Who) estão muito bem em cena, com destaque para ela -- apaixonante na medida certa, se dividindo entre sonhos e desespero. Só que isso, ao lado da boa criação de cena, não é o bastante para salvar o filme dessa sensação de descontrole. McKenzie também é prejudicada pela falta de rumo. Ao contrário do que foi visto em Jojo Rabbit ou Old, ela está plana: sua personagem é infantil demais, inocente em demasia.


O pior de tudo, porém, fica para o final. Quando Wright já não sabe mais como lidar com a trama sobre abuso sexual e psicológico, com destaque para esse aspecto repetitivo, Noite Passada em Soho abraça uma trama de investigação, com ares do terror de Psicose, e entrega um dos finais mais decepcionantes dos últimos anos. É fraco, é desconexo. Parte de uma história sobre violência sistemática contra mulheres para, no final, vermos duas personagens se digladiando.


Isso sem falar das pontas soltas (o que aconteceu após a tentativa de tesourada? E o tal chá? São perguntas sem respostas, evidenciadas pelo final frustrante e até mesmo um pouco problemático. Esta não era uma história para Wright -- que inclusive não conseguiu inserir a sua linguagem cinematográfica. Era uma história para uma mulher, com suas vivências, experiências e por aí vai. Noite Passada em Soho é um dos filmes mais decepcionantes do ano.

 

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