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Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Noites Alienígenas' analisa crime na região norte do país


Poucas ferramentas são tão potentes para analisar a sociedade do momento como o cinema. A partir da visão de diretores e roteiristas, é possível apontar e analisar mudanças sociais, urbanas e até começar a compreender movimentos antropológicos de um povo. É ainda mais interessante quando é um olhar direcionado para pessoas que vivem à margem: é o que fez o ótimo Marte Um e, agora, é o que faz Noites Alienígenas, estreia dos cinemas desta quinta, 23.


Dirigido pelo estreante em longas Sérgio de Carvalho, o filme acompanha um grupo de pessoas que está passando por transformações em suas vidas (e até em seus negócios) por conta da chegada do crime organizado na periferia de Rio Branco, capital do Acre. O roteiro, de Sérgio, Camilo Cavalcanti e Rodolfo Minari, cria um mosaico de possibilidades. Tem o traficante novo que começa a se encantar pelo crime organizado, o viciado, a mãe, o traficante experiente.


São vários tipos de personalidade que encaram essa realidade imposta em Noites Alienígenas de diferentes formas. É interessante notar como os personagens se adaptam à essas transformações sociais e, principalmente, como tentam sobreviver com tantas coisas acontecendo em seu entorno. Carvalho, assim, faz quase um documento histórico, do momento, em que mostra como um microcosmos brasileiro está sendo profundamente machucado.

Tendo tantos personagens, é natural que alguns se destaquem mais do que outros. Alê (Chico Diaz, sempre ótimo) é o traficante conhecido da região, que não vê com bons olhos o que está acontecendo por ali, enquanto Rivelino (Gabriel Knoxx) começa a se incomodar com a forma que Alê comanda os negócios -- e, principalmente, como lida com um rapaz viciado que sempre os procura. É aqui que nasce o coração do filme, nessa relação, e é daqui que nasce sua conclusão.


Difícil, nos últimos 30 minutos de filme, não ficar pensando em outras histórias de pessoas da região que ficam pelo caminho e que poderiam ser tão ou mais interessantes. É o caso da jornada de Sandra (Gleici Damasceno), jovem da região, amiga de Rivelino e de Paulo, o garoto indígena viciado, e que simplesmente some no último ato e é, confesso, a que estava mais curioso para saber como iria se comportar na trama -- ela, afinal, tem um filho com Paulo.


Falando no jovem indígena viciado, também é preciso apontar como Noites Alienígenas não sabe lidar tão bem com a sua história. É cheia de chavões e de obviedades, dificultando a imersão emocional na sua história, e a questão do vício de indígenas na região é deixada em segundo (ou seria terceiro?) plano. Pena. Noites Alienígenas, assim, acaba começando algumas boas discussões, mas não sabe terminar todas elas. Fica no ar a sensação de que poderia ser melhor.


Ainda assim, porém, o resultado final é levemente positivo. Saí da sessão com o pensamento no Acre -- esse estado que já foi tão ridicularizado e invisibilizado, com piadas de que não existe, mas que agora passa por um processo violento que mata seus jovens por conta da chegada de um crime organizado que existia, antes, apenas nas grandes cidades. Cinema é grito, cinema é protesto. E Noites Alienígenas, mesmo com erros, tem voz e aponta para algo urgente do Brasil.

 

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