Logo na primeira cena de O Fim da Viagem, o Começo de Tudo, a protagonista Yoko (Maeda Atsuko) sai correndo de um hotel, desesperada, perguntando por japoneses que estariam ali. Homens a cercam e um deles, em especial, chama a atenção. Não há legenda e a personagem não entende o que está acontecendo. Só aos poucos vai ficando claro que este homem ficou encarregada de levá-la até os outros orientais. E que aquele País ali retratado foi sintetizado no homem: assusta no início, mas depois dá a direção.
Essa metáfora, que parte logo da primeira cena, toma com força este belo filme de Kiyoshi Kurosawa (Antes que Tudo Desapareça). Cada cena dos 120 minutos de duração do longa-metragem não está ali à toa. A jornada de Yoko no Uzbequistão é repleta de simbologias, significados, metáforas. Repórter de uma TV japonesa, ela precisa gravar cenas divertidas nesse País tão pouco conhecido. Uma jornada, parece, de bastidores, sobre jornalismo e entretenimento. Certo? Errado. É sobre a vida, o além, e o que é viver.
Cenas duram eternidades. Há uma, num parque de diversões caindo aos pedaços, que revira o estômago. Dá raiva, desespero. Outra, envolvendo um bode, afrouxa as amarras do coração depois de uma série de cenas opressoras, fortes. São emoções que vão se amontoando, reverberando. São criadas e destruídas, entre uma cena e outra. Tudo é volátil no mundo de Kurosawa. E nada dura por mais de uma cena, mais de um diálogo.
Maeda Atsuko (também em Antes que Tudo Desapareça) entende bem a complexidade metafórica de sua personagem. Yoko é uma chata de galochas. Faz muita besteira, irrita o espectador. Mas, também, há motivos. Sua personagem está num mundo de bárbaros tentando descobrir sua essência. Mas será que são bárbaros? Será que é sua essência de fato? 120 minutos, no final, parecem pouco para tantos problemas na vida da protagonista. Ela corre, cai, sofre, diz "não", chora, é perseguida, desce barrancos.
Sua vida, por mais que não seja explorada em pregresso, está cheia de camadas que são reveladas em pequenas atitudes nesse País estrangeiro. O medo a consome, mesmo que não faça sentido. A perseguição está ali, a solidão também. Tudo é muito forte.
Não dá pra dizer, assim, que O Fim da Viagem, o Começo de Tudo é um filme óbvio, fácil de entender. Nada disso. É bizarro, na verdade. Há sequências que aparentam não fazer muito sentido. Outras que surgem nada delicadas no meio do longa-metragem. Há uma linda interpretação de L'hymne à l'amour, um clássico irretocável na voz de Edith Piaf. Mas que demora pra encaixar, pra fazer algum sentido -- pra mim, na verdade, ainda não o fez. São coisas do quebra-cabeça de Kurosawa que ficam martelando na mente.
No final, o longa-metragem termina com aquela sensação estranha. Você sabe que viu um filmaço, mas demora para entender tudo. Talvez nunca entenda e algumas coisas façam sentido apenas na cabeça do cineasta japonês. Mas o fato é que obras poéticas como essa fazem bem. Cutucam, provocam, saem do lugar-comum. É algo pra se ver no cinema, passar pela experiência imersiva e interativa, quando o filme exige algo assim. Difícil dar nota. É preciso que cada um passe pela experiência de assisti-lo, entendê-lo.
Afinal, a viagem de Yoko é a viagem de todos nós. Para onde vamos? O que somos? Pra que existimos e pra que estamos aqui? E a nossa liberdade? São mensagens universais, mas que vão chegar para cada um a sua maneira. É, enfim, a magia do bom cinema.
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