Talvez pelo peso político que sua figure carregue, Karl Marx nunca ganhou um retrato fiel e respeitado no cinema. Afinal, vivemos tempos nebulosos e, qualquer indicação de postura política já é rechaçada pela oposição -- algumas vezes, aliás, de maneira violenta. O diretor haitiano Raoul Peck, no entanto, não teve medo: sem se deixar afetar por convenções ou até por convicções, ele conseguiu criar um relato convincente e biográfico com O Jovem Karl Marx.
Como o próprio nome já diz, O Jovem Karl Marx mostra o amadurecimento daquele que viria a ser, junto com Engels, um dos pilares do movimento comunista -- escrevendo, dentre outras obras-primas, O Capital. A ideia aqui, porém, não é dar detalhes minuciosos sobre a vida do alemão, tão esquecido pelo cinema e até pela literatura. Pelo contrário: aqui, Peck quer dar um recorte específico na vida de Marx, mostrando sua entrada na vida intelectual na Europa.
Para isso, o cineasta haitiano -- que já tinha brilhado com Eu Não Sou Seu Negro -- cria um filme minimalista, atento aos detalhes, e que não perde tempo com enrolações. Assim, com a atuação firme de August Diehl (de Aliados) como Marx, conseguimos entrar nos bastidores da vida do intelectual, entendendo um pouco de seu processo de criação e, até mesmo, vendo como se comportava junto à esposa. Posso estar errado, mas acredito ser um recorte inédito no cinema sobre o personagem.
A direção artística do filme, a cargo de Merlin Ortner (de Barbara) acerta em cheio ao criar um clima nebuloso na Paris que vive em meio a revolução industrial que atinge a Europa em cheio. Karl Marx e Engels, que é interpretado pelo inexperiente Stefan Konarske, também contam com boa caracterização, deixando-os mais humanos do que as fotografias que vemos nos livros de história -- ainda que Peck tenha optado por tirar a histórica e conhecida barba do comunista.
O roteiro também acerta em trazer várias questões trabalhistas e sociais à tona, como a situação precária dos trabalhadores da época. Mesmo sendo um filme que fala sobre o passado, O Jovem Karl Marx, em alguns momentos, parece um exercício assustador de futurismo. E isso, sem dúvidas, deverá gerar debates acalorados entre seus espectadores por um longa tempo após a projeção. Sinal claro de que a história conseguiu tocar na ferida da sociedade.
Nem tudo são flores com O Jovem Karl Marx, porém. Apesar da boa ambientação, do bom recorte de vida e das atuações regulares, o filme ganha um tom extremamente morno em alguns momentos, deixando o ritmo cair por água abaixo. Mesmo com menos de duas horas de duração, o longa-metragem acaba por exaurir o público com tantos debates ideológicos e tantos momentos verborrágicos que saltam na tela, sem espaço para o espectador sentar e respirar.
No fim, porém, o filme mais acerta do que erra. Peck, ao invés de fazer um enlatado cheio de convicções políticas, cria um verdadeiro filme biográfico, sem julgamentos. E mostra que boas histórias precisam ser contadas, mesmo que envolvam ânimos políticos acirrados em todo o mundo. Para fazer isso, é só mostrar a história nua e crua, com todas as verdades que a permeiam. Peck, mesmo com erros, fez isso. E um trabalho como esse, hoje em dia, é louvável.
* Visto em outubro de 2017, durante a cobertura especial da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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