top of page
Buscar
  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'O Rio do Desejo' é boa fábula sobre traição no meio da Amazônia


Fui assistir ao filme O Rio do Desejo, estreia desta quinta-feira, 23, sem saber muita coisa. Na manhã da cabine, faltava apenas um dia para minhas férias e, depois de uma semana com quatro sessões para a imprensa, estava no automático. Mas, mal o filme começou a rolar na tela, já pensei: isso tem cara e jeito de história de Milton Hatoum. Não deu outra. Não é de um romance do escritor genial de Dois Irmãos, mas de um conto. E, pra variar, uma ótima história.


Dirigido por Sergio Machado (Cidade Baixa), o longa-metragem começa com um romance instantâneo, que solta faíscas, entre Dalberto (Daniel de Oliveira) e Anaíra (Sophie Charlotte). E não perdem tempo, logo começando uma vida a dois. Primeiro juntando as escovas de dentes e indo morar juntos na casa dos irmãos dele, Armando (Gabriel Leone) e Dalmo (Rômulo Braga), e, depois, comprando um antigo barco juntos para ajudar no sustento da casa desses irmãos.


Há, então, todos os signos e símbolos de uma história de Hatoum. Os irmãos, a Amazônia, o calor. O que falta, então? A traição, a tensão. Ela chega quando o barco quebra e Dalberto, sem muita saída, precisa fazer uma viagem até o Peru para conseguir os R$ 6 mil para comprar a peça quebrada. Na casa, ficam apenas Anaíra, Armando e Dalmo. O que pode sair disso? O Rio do Desejo, como o próprio título já sugere, dá indícios de que as coisas logo saem do controle.

Machado, a partir dessa pequena, mas impactante história de Hatoum, cria uma espécie de fábula do marinheiro -- conseguia ver essa mesma história sendo contada por Jorge Amado, mas no cenário da Bahia. A tensão quase salta da tela e, sem muito pudor nas cenas de sexo, há uma atmosfera quente. Quase dá pra pegar no ar. O cineasta cria a ambientação com muita competência e isso faz com que o filme já tenha muita personalidade. Algo raro de se ver.


Muito disso também tem a ver com as boas atuações do elenco. Charlotte (Os Dias Eram Assim) é um acontecimento: tem força e sabe trabalhar as complicadas nuances de sua personagem, que vão da empolgação ao desânimo, da paixão à vergonha. Os irmãos, enquanto isso, equilibram diferentes personalidades, também causando esse conflito na tela do que está sendo sentido por cada um deles -- e, principalmente, com a forma que lidam com o desejo e tensão.


Uma pena, porém, que o filme não tenha muito mais a acrescentar além dessa ambientação, desse conflito entre personagens. Apesar do bom final, que é seco e cru, parece que coisas ficam mal explicadas e resolvidas, sem muita coisa mais a ser acrescentada. Sintoma de ser fruto de um conto, O Adeus do Comandante, que por natureza precisa ser menor e conciso. O filme, sob roteiro de Machado e Maria Camargo, deveria ter avançado mais do que o conto.


Afinal, nunca é bom terminar um filme e ter aquela sensação de que ficou algo pelo caminho. Mesmo criando tão bem a ambientação, o clima e os personagens, O Rio do Desejo acaba pecando em não ir além. Em não encontrar mais histórias dentro de suas possibilidades. É uma pena. Mas, ainda assim, é um filme que mexe com você, te transforma, te impacta. E, com isso, o resultado termina no saldo positivo -- e dá vontade de ler mais Milton Hatoum, pra variar.

 

0 comentário
bottom of page