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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: ‘O Sacrifício do Cervo Sagrado’ é perturbador relato metafórico


O cinema grego, nos últimos anos, vem ganhando cada vez mais força com filmes fortes e cruéis sobre a realidade humana, evocando elementos de tragédias clássicas de Sófocles e Eurípedes. O diretor Alexandros Avranas, por exemplo, chocou com o forte Miss Violence, em 2013. Outro que vem chamando a atenção é Yorgos Lanthimos, que já falou, de maneira extremamente realista, sobre educação familiar (Dentes Caninos) e relações amorosas (O Lagosta).

Agora, Lanthimos volta a trabalhar com metáforas intensas à contos clássicos gregos para perturbar o espectador com o longa-metragem O Sacrifício do Cervo Sagrado, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 8. Com um elenco hollywoodiano de peso e uma história bizarra, que não deve agradar aos espectadores mais conservadores, Lanthimos mostra os motivos de ser uma das vozes mais originais do cinema atual contra os padrões sociais do mundo moderno.

No centro da história, uma família tradicional. Steven Murphy (Colin Farrel) é um cirurgião casado com Anna (Nicole Kidman), uma oftalmologista, e que tem dois filhos: a adolescente Kim (Raffey Cassidy) e o pequeno Bob (Sunny Suljic). Tudo ali funciona de maneira feliz e organizada. No entanto, Martin (Barry Keoghan, excepcional), rapaz que perdeu o pai na mesa de cirurgia de Steven, acaba se envolvendo demais com a família e provocando um verdadeiro caos.

Lanthimos, que já mostrou habilidades para criar e comandar filmes estranhos e altamente reflexivos, volta a apostar numa história de difícil digestão. Aqui, a direção é crua. A câmera incomoda e escancara a solidão de seus personagens por meio de ambientes espaçosos, mas sem vida. A história, escrita por Lanthimos, também conta com um ritmo cadenciado, evocando elementos do polêmico pós-terror -- você pode não gostar do termo, mas é, sim, um subgênero.

O sentimento em O Sacrifício do Cervo Sagrado, então, é de tensão crescente. Tensão com a relação de Steven com Martin, sempre pronta para estourar. Tensão com o modo com que os personagens se relacionam, sempre de maneira mecânica e artificial. E, claro, tensão com a situação imposta pelo roteiro, que não deixa muito explicação sobre sua origem ou significados e que, sem dúvidas, perturba a audiência com seus efeitos e possíveis causas e origens.

Parte deste sentimento é responsabilidade de duas características que elevam a qualidade do longa acima do roteiro e direção: os atores e a trilha sonora. Sobre este último item, só há elogios. Com tons marcantes, ela causa apreensão na audiência e elevam o status de terror psicológico. É a trilha perfeita -- e essencial -- para que o público entre e compre a história criada por Lanthimos. Sem dúvidas, merecia uma indicação ao Oscar. Pena que foi esnobado.

Sobre as atuações, a maioria do elenco entrega personagens estranhos e compreensíveis dentro do universo de Lanthimos. Colin Farrel (Animais Fantásticos) surpreende cada vez mais com atuações sérias e complexas, ainda que a robotização da fala esteja um pouco exagerada aqui -- erro do diretor também. Nicole Kidman (Big Little Lies) mostra que melhora cada vez mais e forma uma carreira consolidada, apenas com escolhas acertadas. Está muito bem.

O grande destaque, porém, é Barry Keoghan (Dunkirk). Ele cai como uma luva no papel e sabe aproveitar todos os meandros de seu personagem. É um atuação impressionante para um ator que, até então, permanecia em papéis de pouco destaque. É de uma injustiça sem tamanho Keoghan não estar indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Não só merecia um lugar ali como também deveria brigar com Sam Rockwell pela estatueta. Ah, as injustiças do Oscar…

Quanto à direção e roteiro, são poucos os erros - mas, também, poucos os grandes acertos. Como já citado, a direção de Lanthimos está mais dura e fria, reverberando em obras de von Trier e Haneke. Mas parece que falta algo para tornar o longa, de fato, arrebatador. A mesma crítica vale para o roteiro, que se vale do clássico conto de Iphigenia para fazer sua crítica social. Há muitas e muitas e muitas metáforas, tornando o filme um cansativo. Faltou lapidação.

Ainda assim, O Sacrifício do Cervo Sagrado é um sopro de originalidade no cinema. Claro: o filme é cansativo e pode não fazer muito sentido para quem não gosta de dialogar com as obras em busca de significados. Mas não há dúvidas de que Lanthimos é um dos diretores mais brilhantes de sua geração -- depois de O Lagosta e Dentes Caninos, seu novo filme só serve para concretizar isso. Pena que ainda não é reconhecido no resto do mundo. Ainda bem, porém, que já conquistou a Europa.

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