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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: 'Para Onde Voam as Feiticeiras' mostra embates sociais pulsantes no Brasil


É muito confortável ver filmes sobre sexualidade ou identidade de gênero dentro de nossas bolhas. Bixa Travesty, por exemplo. É um excelente filme sobre Linn da Quebrada e sua afirmação sexual. No entanto, é um filme "confortável". Ainda que a protagonista-entrevistada fale e relate as dificuldades da vida como transexual, nós, espectadores, vimos isso de forma memorialista. E, dentro de nossas bolhas, sentimos uma compreensão que não existe de fato na sociedade aí fora. Vemos uma realidade amorfa e domada.


Por isso é tão interessante a proposta de Para Onde Voam as Feiticeiras, longa-metragem de abertura da Mostra Olhar de Cinema de Curitiba 2020. Afinal, aqui, a diretora Eliane Caffé (do ótimo Era o Hotel Cambridge) se junta à Carla Caffé e Beto Amaral para falar de identidade, sexualidade e gênero da forma mais aberta e real possível: colocando ativistas de causas ditas minoritárias — indígenas, negros, LGBTQIA+, transexuais — na rua. Mais especificamente, no centro de São Paulo, ambiente frequente de Eliane Caffé.


No entanto, ao contrário de Era o Hotel Cambridge, aqui o ambiente deixa a claustrofobia e os limites de fora. Por estar na rua, Caffé se sujeita a colocar seus personagens — que são, na verdade, pessoais reais documentadas nesse filme de difícil rotulação — na rua. No tempo. A partir de seus corpos livres, pensamentos abertos e expressões de liberdade, essas pessoas entram em conflito direto com as pessoas que transitam nesse centro de São Paulo tão esquecido, plural, marginalizado e, ainda, preconceituoso.


Dessa forma, os antagonistas surgem de forma quase que natural, colocando esse espectador geralmente confortável com seu papel passivo numa espiral de emoções. Vemos o preconceito surgir a partir de piadas em um bar, vemos um homem bissexual que não entende exatamente qual é a sua condição, vemos um pastor usando textos escritos há milhares de anos para justificar o preconceito, a homofobia, a exclusão. É um choque cultural, social e antropológico muito bem conduzido pelo trio de diretores, tal qual o Hotel Cambridge.

Além disso, interessantíssima a opção dos diretores em "sujar" a tela, o enquadramento. Eles deixam o microfone aparecer em cenas, por exemplo, que seria simples a tarefa de esconder o aparato. Ou, ainda, mostrar a equipe. O longa-metragem nunca esconde sua mídia, sua condição audiovisual. E isso é riquíssimo. Esse olhar de fora, tão necessário e que destaquei acima, fica ainda mais acentuado, ainda mais urgente. Sentimos a vida como ela é, onde enxergamos a realidade que orbita esse filme de minorias em São Paulo.


Pena que Para Onde Voam as Feiticeiras tenha dois problemas centrais que impossibilitem uma nota de cinco estrelas aqui, logo abaixo. Primeiramente, o filme se propõe a falar de minorias, sem especificações exatas. Logo no começo, por exemplo, coloca um grupo de índios sentados nessa rua de São Paulo, sendo observados com curiosidade pelos transeuntes. E aquilo nunca é desenvolvido. A sensação que fica, assim que o longa vai evoluindo, é que pautas específicas tomaram conta, ao invés de seguir pelo universalismo.


Por fim, alguns momentos do longa-metragem acabam sendo anticlimáticos ou até mesmo desconjuntados. A apresentação do grupo no centro de São Paulo, quando misturam música, poemas e coisas do tipo, deveria ser o ponto alto da apresentação — o filme todo, afinal, é uma discussão de como vai acontecer essa intervenção. No entanto, acaba sendo mais fraco do que o esperado. Outros momentos, como o do pastor, são bem mais emblemáticos e memoráveis. Essa apresentação, ainda que talentosa, some em meio ao caos.


Mas, no final das contas, é preciso reafirmar: Para Onde Voam as Feiticeiras é um ótimo filme. Assim como Era o Hotel Cambridge permitiu ao espectador dar uma espiada na vida dos sem-teto, aqui encontramos a verdade e o cotidiano de minorias, geralmente retratadas de maneiras mais frias ou distantes no cinema. Aqui, somos obrigados a sair de nossas bolhas, encontrar essa verdade e refletir. Reflexão. Essa é a palavra que norteia o longa, que nos dá um empurrão para fora de nossa zona de conforto e exige o pensamento crítico.

 
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