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Crítica: 'Paraíso' é excelente filme sobre os efeitos da pandemia


Não gosto muito de Raiva, filme anterior do cineasta Sérgio Tréfaut. É um pouco cansativo e pretensioso. Por isso, eu realmente não esperava a beleza que é Paraíso, documentário excelente e que está na programação oficial do É Tudo Verdade 2021. Aqui, acompanhamos um grupo de idosos que se reúnem no jardim do Palácio do Catete para cantar músicas das antigas.


Assim, ao longo de pouco mais de 80 minutos, vemos duas situações. Na primeira, são eles cantando nesse espaço histórico tão importante não só para o Rio de Janeiro, como também para o Brasil. Eles fazem amizade, sorriem, brincam. Vivem. Do outro lado, acompanhamos esses idosos, rapidamente, em suas casas e em situações mais banais de rotinas e dia a dia.


Essa segunda parte da narrativa, ainda que pouco aprofundada, serve para nos mostrar melhor quem são aquelas pessoas -- vemos rapidamente que são idosos mais simples, morando em casas sem muita estrutura. O resto da narrativa, como o gosto pelo canto, acaba ficando mais pra nossa imaginação. Ainda que haja um momento, lá pro final, com entrevistas mais longas.

Mas, ainda assim, Paraíso não é sobre a vida comum. Tréfaut, de maneira brilhante, abraça aquele microcosmos e mostra um Brasil do passado que existe e resiste na memória daquelas pessoas. Uma cena de uma idosa de quase 100 anos se apresentando, cantando com todas as suas forças, é de uma poesia sem fim. Lembra a força da mensagem do filme Agente Duplo.


A paulada de Paraíso, porém, vem no minuto final. Tréfaut conta, em letras brancas em uma tela preta, que precisou parar a gravação por conta da pandemia do novo coronavírus. De uma hora para a outra, acabou a diversão daquela gente. E pior: a memória deles, que preserva um Brasil tão mais bonito do que esse de hoje, também está se esvaindo, indo embora, junto das pessoas.


O filme, assim, salta imediatamente de qualidade. Deixa de ser um mero exercício de registro cultural e social de uma cidade para ser, acima de tudo, uma carta de denúncia, de tristeza, de melancolia. Aquelas pessoas, que tinham na música e na memória momentos tão especiais, foram basicamente esquecidas. Largadas. A nossa cultura, de uma forma ou de outra, sumiu.


Paraíso, ainda que não fale diretamente sobre a crise do coronavírus em praticamente toda a sua totalidade, é o melhor filme sobre a pandemia já feito. O filme faz o que jornais e programas de televisão já deveriam ter feito: mostram quem são as pessoas que estão morrendo, que estão sofrendo, que estão sozinhas. Não são apenas números, como dizem. São pessoas de verdade.

 
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