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  • Foto do escritorMatheus Mans

Crítica: ‘Projeto Flórida’ é o principal injustiçado do Oscar 2018


Antes de tudo, qualquer um sabe que o Oscar é uma fábrica de injustiças. Só ver, para usar o ano de 2018 como exemplo, que os filmes Mãe! e A Ghost Story foram esnobados sem dó nem piedade. No entanto, se considerarmos os longas que estavam na disputa para receber uma indicação à Melhor Filme desde o começo, é inegável apontar que o delicado Projeto Flórida, de Sean Baker, é o grande injustiçado da temporada, tendo recebido apenas uma indicação.

O filme começa de maneira um tanto quanto irritante. Como que inseridos repentinamente na rotina de um hotel na Flórida, bem perto da Disney, o espectador acompanha de perto a vida de três crianças que moram ali. A aparente líder do grupo, Moonee (Brooklynn Prince, que é uma revelação), não tem papas na língua. Mesmo sendo bem pequena, ela enfrenta os outros, dá respostas mal-criadas e enfrenta quem a desafia. Difícil não sentir alguma antipatia.

No entanto, aos poucos, o cineasta Sean Baker (que já tinha surpreendido em Tangerine, filmado com um iPhone) vai nos inserindo ainda mais na rotina daquelas crianças e daquele hotel de beira de estrada. Tem a mãe Halley (a estreante Bria Vinaite), que não consegue se manter na vida. Tem o amigo Scooty (Christopher Rivera), espécie de seguidor de Moone. E tem o zelador do local, o trabalhador e preocupado Bobby, vivido com maestria por Willem Dafoe.

A partir daí, com muita calma e sem acelerar o ritmo em qualquer momento, Baker cria essa fábula às avessas. Da irritação natural do começo, o espectador vai compreendendo melhor a formação das crianças e os motivos de serem tão rebeldes. É uma construção interna de personagens feita com muita calma e com um bom arco narrativo, ainda que Moonee e Halley não sofram grandes alterações com o passar da história. É admirável o trabalho feito aqui.

O grande acerto de direção e de roteiro, porém, é o grande contraste da região. A começar pelo título: Projeto Flórida, mais do que representar a situação das pessoas no hotel, é uma brincadeira com o “nome de trabalho” dos parques da Disney. Com isso, cria-se o paralelo: a terra dos sonhos e da fantasia versus a cruel realidade do dia a dia de pessoas que vão para o estado americano em busca de sonhos difíceis de se concretizarem. É duro e difícil de digerir.

Nada disso seria eficiente, porém, se não fossem as atuações impecáveis. A começar por Willem Dafoe (Death Note, Onde Está Segunda?), que mostra toda força interpretativa num personagem que consegue ser silencioso e contemplativo quando precisa, mas também pode ser explosivo nos momentos certos. Sam Rockwell está fantástico em Três Anúncios, mas me desculpem: Willem merecia muito mais. Vai ser, infelizmente, mais um injustiçado do Oscar.

O grande ponto alto de interpretação, porém, é a garotinha Brooklynn Prince. Descoberta no Instagram (!) pelo diretor, a menininha de apenas oito anos é um talento nato e que nasceu pro estrelato. Numa cena final, ela consegue fazer o filme transbordar de emoção e fofura. Parece até um pouco a atuação do garotinho no filme O Campeão, de 1979. Impressiona pela maturidade interpretativa e deixa Jacob Tremblay no chinelo -- e olha que gosto do menino.

Por fim, alguns dizem que os trinta segundos finais estragaram o filme. Discordo. A última cena é fortíssima e só acentua ainda mais a dicotomia entre terra dos sonhos versus vida real. É forte, é inspirador e um marco no cinema recente. Projeto Flórida, assim, é o grande injustiçado do Oscar, talvez por tratar de temas que sejam muito delicados para americanos conservadores. Mas não importa. A torcida agora é que o público descubra essa pérola cinematográfica.

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