Vivemos tempos complicados no Brasil. Parece, às vezes, que criminosos e milicianos estão se tornando cada vez mais oficiais. Mais governamentais, até. Por isso, é complicado ver nos cinemas um filme que trata essas organização criminosas de maneira simpática, glamourizada. Afinal, mesmo se passando em tempos e países bem distintos do Brasil de hoje, é algo que causa desconforto. Este é o caso do novo filme Rainhas do Crime, que chega às salas de cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 8.
Dirigido pela estreante Andrea Berloff (roteirista de Straight Outta Compton: A História do N.W.A.), o longa-metragem acompanha a história de três mulheres que vivem no bairro de Hell's Kitchen, em Nova York -- Claire (Elisabeth Moss), que apanha do marido; Kathy (Melissa McCarthy), que é devotada aos filhos; e Ruby (Tiffany Haddish), mulher durona e que se mostra a mais decidida do grupo. E apesar de cada uma ter a sua particularidade, elas têm em comum o fato de que são casadas com mafiosos da região, que cobram dos comerciantes para oferecer segurança e evitar problemas.
No entanto, elas acabam tomando conta do negócio quando eles vão parar na cadeia. De mulheres caladas e sentenciadas a viver nas cozinhas cuidando dos filhos, o trio começa a operar um verdadeiro sistema criminoso no bairro. E, às vezes, até além dali.
Logo de cara, Rainhas do Crime mostra uma contradição estranha na forma que passa sua mensagem. Afinal, o filme trafega entre duas polarização que, no Brasil de hoje, são praticamente impossíveis de serem praticadas juntas -- o feminismo e a milícia. Ainda que o primeiro aspecto seja extremamente positivo, e dê um gás ao filme do começo ao fim, o outro acaba por sobrepujá-lo. A violência é visceral demais, exagerada demais. E parece que, por meio dela, alcança-se o feminismo, a independência da mulher.
Claro que nessa Nova York de décadas atrás, que nem existe mais, não era fácil para a mulher se colocar em posição de chefe de família. E muito menos de chefe da máfia. Assim, é natural que seja mostrada uma trajetória complicada para as três protagonistas. O problema é quando Berloff não coloca grandes desafios morais no meio do caminho. Uma das personagens (Moss) se torna uma espécie de psicopata ao lado do romance adolescente com o estranho Gabriel (Domhnall Gleeson). Outra passa por cima de tudo e todos (Haddish). Só a de McCarthy que parece ter alguma decência por ali.
Rainhas do Crime amplifica uma polarização que já está exaustante aqui no Brasil. Difícil compreender qual público irá comprar a mensagem, sem problema algum. A esquerda vai ficar insatisfeita com a milícia sendo banalizada. A direita, enquanto isso, não vai suportar o feminismo que surge em atos, gestos, falas -- uma cena com Moss, aliás, é o ponto alto do filme. O filme se canibaliza, consome seu próprio público. E a Warner, responsável pela peça, parece que sabe disso. Afinal, há pouco divulgação sobre o longa.
Saindo do aspecto da mensagem do filme, há aspectos técnicos a serem ressaltados. O trio de atrizes está bem, cada uma a sua maneira. Moss (The Handmaid's Tale) faz um tipo mais estranho, mas muito empático. Difícil não gostar dela. McCarthy (Poderia me Perdoar?) mostra, mais uma vez, que é uma atriz mais série e madura. E Haddish (Viagem das Garotas) faz o tipo mais antipático e difícil de simpatizar -- o que é uma pena, pois a personagem dela tinha potencial para mais. Mas, no geral, ela está bem.
O filme ainda tem algumas músicas legais na trilha sonora, ainda que um pouco óbvias (The Chain, de novo?). E Berloff, usando a experiência obtida na roteirização de filmes como Herança de Sangue e Crimes na Madrugada, sabe usar a violência a seu favor, se esquecermos por um minuto a banalização das máfias e milícias. Algumas cenas chocam, são bem feitas e atiçam a curiosidade sobre como tudo aquilo vai terminar. Só que quando volta à memória os erros desse roteiro, tudo cai por água abaixo. Uma pena.
Rainhas do Crime seria uma boa surpresa se soubesse dosar o encanto que apresentou com essas milícias de bairro -- algo que Aliança do Crime, por exemplo, conseguiu recentemente. Afinal, o bom elenco está ali, algumas boas técnicas também. Faltou só um pouco mais de apuro e cuidado por parte de Berloff como roteirista, adaptando uma HQ obscura da DC. Se houvesse um pouco mais de equilíbrio na mensagem, tudo com esse filme poderia ser diferente. E o saldo final seria bem, bem mais positivo.
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