Que grande filme é System Crasher. Indicado ao Oscar pela Alemanha, o longa-metragem é forte, intenso, desesperador, triste. Nele, acompanha-se a história de Benni (Helena Zengel), uma daquelas 'criança-problema'. Violenta e com ataques frequentes de fúria, ela não é aceita por nenhum tipo de internato ou lar temporário. Dessa maneira, ela fica sendo jogada de um lado pro outro, sem futuro, apenas esperando a sua mãe.
Dirigido por Nora Fingscheidt (Brüderlein),o longa-metragem é um soco no estômago do começo ao fim. Propositadamente desconfortável, é irritante aguentar os gritos da protagonista-mirim no começo. São berros guturais e que mexem com a cabeça de seu espectador. Aliás, a irritação com a protagonista é quase imediata. Sente-se que aquela criança é mimada, não quer ajuda e age daquela maneira só por ser inconsequente.
Mas o desenvolvimento existente no roteiro da própria Nora é espetacular. A trama avança, mas Benni fica parada -- o que, às vezes, pode acabar gerando uma sensação de repetição de histórias. Mas o fato é que o espectador, por meio dessa estagnação da personagem, vai compreendendo seu comportamento, seu sofrimento, suas dores. Não há uma aprovação do que ela faz, é claro. Mas há um sentimento transformador ao fim.
Nora, enquanto isso, possui um ritmo e um estilo de filmagem interessantíssimo. Muitas cenas são criativamente interrompidas por uma tela rosa, que quer dizer muito naquele contexto. Há de se destacar, também, o bom apoio interpretativo de coadjuvantes, que fazem 'escada' para Zengel explodir, se transformar. Ressalto a mãe (Lisa Hagmeister), o educador Micha (Albrecht Schuch) e a assistente social (Gabriela Maria Schmeide).
Esta última, aliás, está numa das cenas mais fortes e emocionais no cinema recente.
Mas o grande destaque, porém, é de Helena Zengel. Que atuação! A menina consegue manter a potência de sua personagem durante os 118 minutos de duração do longa-metragem, sem nunca arrefecer ou deixar algum possível problema do filme tomar conta. Ela, sem dúvidas, é uma revelação. Tomara que o cinema alemão continua a olhar pra ela e a fazer grandes filmes como System Crasher. Ela tem muito, muito potencial.
E duas cenas são fortes, violentas, viscerais. Numa delas, parte do público na sala virou a cabeça, se abaixou, tirou o olho da tela. É complicada de assistir. A outra, enquanto isso, é um misto de alegria, liberdade e uma tristeza profunda -- e que dá sentido, de fato, ao nome do filme. Muitas pessoas podem acabar se desprendendo da narrativa por conta disso. Afinal, não são todos que aguentam/gostam. Mas faz parte da história.
System Crasher é um dos melhores filmes de 2019. Forte, corajoso, visceral. É um Cafarnaum ainda mais forte, ainda mais impactante. O sentimento de impotência toma conta e é difícil parar de pensar no filme, mesmo horas, dias depois. Merece ser indicado ao Oscar e, dependendo dos outros concorrentes, levar o troféu dourado para casa. A Alemanha, felizmente, continua viva -- e como! -- em seu intenso cinema.
(*) Filme visto durante a cobertura da 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Comments